31 de dez. de 2010

Feliz ano novo... de mentira.

(...)

A vida está cheia de rituais para exorcizar a Morte. Agora, quando escrevo, dia 3 de janeiro, acabamos de passar por dois deles. É claro que não lhes damos esse nome, pois o seu sucesso depende de que o Nome Terrível não seja ouvido. Para isso se faz uma barulheira enorme de sinos, fogos de artifício, danças, risos, muita comida, e alegria engarrafada... E tudo isso só para que a voz Dela não seja ouvida... Natal não é isso? Não existe uma tristeza solta no ar? O esforço desesperado de repetir um passado, fazer com que ele aconteça de novo?
Encontrei, certa vez, numa loja nos Estados Unidos, um pacotinho de ervas e temperos num saquinho de plástico com o nome: "perfumes de Natal". Tem que ser aqueles cheiros antigos, de infância. As músicas novas não servem, é preciso que as mesmas dos outros tempos sejam cantadas de novo. E que haja o mesmo rebuliço, os mesmos bolos, as mesmas frutas. Prepara-se a repetição do passado para ter a ilusão de que o tempo não passou.
Melhor o incômodo da correria e da ressaca do que a dor de ouvir o que Ela está silenciosamente dizendo: "É, mas o tempo passou. Não pode ser recuperado. Você está passando...". Pensar dói muito. O Natal dói muito... E saímos da depressão da perda por meio de um outro ritual. Tolice imaginar que o tempo passou. Que nada. É um novo tempo que vem. Há muito tempo à espera. "Feliz Ano Novo". E, no entando, é tudo mentira.

ALVES, Rubem. O Médico. 4.ed. Campinas, SP: Papirus Editora. 2003. p.65-67.

17 de dez. de 2010

Desce quadrado e desanima

Desce quadrado e desanima

Extra! Extra!

Benett
Vocês que são brasileiros e “não desistem nunca”, continuem assim e não renunciem. Morram de trabalhar, pois, os seus representantes votaram a favor do aumento de salário dos parlamentares e do presidente. A proposta do reajuste de mais de 60%, eleva a atual remuneração de R$ 16,5 mil para R$ 26,7 mil, a partir de 2011. Sendo assim, você precisa morrer de trabalhar ou morre trabalhando ou trabalha pra morrer ou morre dando trabalho ou... chega. Por ora, é só.

Ora!

É interessante notar a data em que se votam certas coisas neste país. Exatamente a poucos dias do natal, anunciam a próxima decisão; ou será imposição? No momento em que a maioria dos brasileiros estão mais desatentos como de costume, gastando como nunca e pouco ou nada preocupados com o amanhã. Curiosa ocasião para se estabelecer alguma coisa, não acham?

Malandragem? Oportunismo?

Não descarto a primeira opção, mas, creio mesmo, que a época seja mais adequada, sabe o porquê? Bebida! É, muita bebida. Você mesmo aí, que está lendo isso e que foi obrigado a votar, tome nota: a falta de lucidez decorrente do consumo de álcool que nunca é moderado, é que te salva. Te salva e faz tão bem que, acabou de ser comprovado estatisticamente. Segundo o IBGE, os dados levantados pela Pesquisa de Orçamentos Familiares indicam que o brasileiro tem consumido menos arroz e feijão e mais cerveja.

Uma ultima coisa pra você anotar. E é grave.

A bebida não é e nunca foi determinante para a sua falta de lucidez, ela só piora, às vezes, o seu quadro. Sendo assim, procure ficar um pouco mais consciente de suas ações e trate, também, de se inteirar sobre o que os “seus” representantes andam aprontando. Quem sabe, se você estiver vivo e lúcido nas próximas eleições, possa votar em alguém que respeite o seu voto e, principalmente, o seu trabalho. Que respeite o fato de você existir.

Agora, se eu estiver vivo e esta pessoa que você votou atender aos requisitos acima, me chame pra tomar uma gelada.

Cleiton Rezende.



A imagem é criação do cartunista Benett. Disponível em [http://chargesbenett.wordpress.com]

15 de dez. de 2010

Fragmentos literários: O Mito de Sísifo

A Liberdade Absurda.

(...)

O que sei, o que é certo, o que não posso negar, o que não posso recusar, eis o que interessa. Posso negar tudo desta parte de mim que vive de nostalgias incertas, menos esse desejo de unidade, esse apetite de resolver, essa exigência de clareza e de coesão. Posso refutar tudo neste mundo que me rodeia, que me fere e me transporta, salvo o caos, o acaso-rei e a divina equivalência que nasce da anarquia. Não sei se este mundo tem um sentido que o ultrapassa. Mas sei que não conheço esse sentido e que por ora me é impossível conhecê-lo. O que significa para mim significação fora da minha condição? Eu só posso compreender em termos humanos. O que eu toco, o que me resiste, eis o que compreendo. E estas duas certezas, meu apetite pelo absoluto e pela unidade e a irredutibilidade deste mundo a um principio racional e razoável, sei também que não posso conciliá-las. Que outra verdade poderia reconhecer sem mentir, sem apresentar uma esperança que não tenho e que não significa nada nos limites da minha condição?
Se eu fosse uma árvore entre as árvores, gato entre os animais, a vida teria um sentido ou, antes, o problema não teria sentido porque eu faria parte desse mundo. Eu seria esse mundo ao qual me oponho agora com toda a minha consciência e com toda a minha exigência de familiaridade. Esta razão, tão irrisória, é a que me opõe a toda a criação. Não posso negá-la de uma penada. Por isso devo sustentar o que considero certo. (CAMUS, 2005, p.64,65)

CAMUS, Albert; tradução de Ari Roitman e Paulina Watch. O Mito de Sísifo. 2.ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.


[ Fragmentos comentados ]

- "Eu só posso compreender em termos humanos”.
É o que Nietzsche chamaria de Humano Demasiado Humano.

- "Se eu fosse uma árvore entre as árvores"...
Dizeres que me remetem à Náusea, de Sartre.


Ler Camus me faz bem!

12 de dez. de 2010

Fragmentos literários: Gula

O Clube dos Anjos

(...)

Memorável paella. Precedida de brindes com champanha ao Ramos e ao Abel e de vieiras com uma delicada musse de salmão. Estávamos todos eufóricos, apesar da morte do Abel. O primeiro jantar do Lucídio nos convencera que o Clube do Picadinho podia ser salvo pelo apetite, mesmo que não nos amássemos mais como antigamente e tivéssemos jogado fora as nossas vidas. Não se falou no Abel durante o jantar. Abel tinha sido restituído aos santos da sua família, nos cabia preservar o que ainda estava vivo entre nós, o que fora salvo do naufrágio. A nossa afinidade animal, a nossa fome em bando, desde o tempo em que roncávamos juntos, como porcos, ao mastigar o picadinho do Alberi. Só nos restara a fome em comum. Eu não parava de falar, mesmo com a boca cheia. André repetia que sentia sua mulher não estar ali, ela tinha sangue espanhol, o que não diria daquela paella diferente? Até o João dizer que cortar as mulheres dos jantares tinha sido uma grande decisão. Uma sábia decisão. As mulheres eram as responsáveis pelo nosso declínio. As mulheres tinham nos arrancado do paraíso, sem elas nossos rituais readquiriam sua pureza adolescente, éramos de novo os porcos contentes do bar do Alberi.

Quando Lucídio trouxe a segunda panela de paella com os grande bulbos de alho dispostos em círculo na borda, foi recebido com urros de reconhecimento. Ele era o responsável pela nossa ressurreição. André ainda tentou  protestar, sem muita convicção. A Bitinha merecia estar ali, ela que amava paellas, que era uma estudiosa de paellas. Seu protesto foi sepultado sob os nossos roncos ferozes. Eu lembrei o Discurso  do Cio que o Ramos fizera, na hora do conhaque, depois de um memorável jantar com trufas. Devemos as trufas e a civilização ao cio das fêmeas, dissera Ramos, erguendo seu copo e propondo um brinde às fêmeas e às suas glândulas. As trufas cheiravam a um hormônio do porco, e as porcas no cio as localizavam e desenterravam, freneticamente, atrás do amor.
"Em vez de um marido, encontraram uma espécie de nódulo vegetal, como acontece com muitas moças hoje em dia", dissera Ramos. As maravilhosas trufas que tínhamos comido eram o produto da frustração amorosa de porcas anônimas. Todo o prazer gastronômico era uma forma de cooptação do cio, segundo Ramos. Interrompemos um processo orgânico da planta ou do bicho para comê-los e gastamos a nossa própria voluptuosidade, o nosso cio desgarrado, no prazer de comer. (VERÍSSIMO, 1998, p.53,54)

VERÍSSIMO, Luis Fernando. O Clube dos Anjos - Gula. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998.

* Uma deliciosa opção!

11 de dez. de 2010

Fragmentos literários: Luxúria

A Casa dos Budas Ditosos

(...)

Algo me diz, falava-lhes eu... Ha-ha-ha-ha! Ha-ha-ha-ha! Ai, meu Deus... Desculpe a crise de riso, mas eu me senti, não sei por quê, meio Lacan, declamando todas aquelas baboseiras desconexas e ininteligíveis, e os crentes tentando decifrá-lo como quem decifra Nostradamus ou a pitonisa de Delfos, quando é claro que ele mesmo não sabia que merda estava falando, suspeito que tomava qualquer coisa para o juízo.
Descia as ventas numas quatro carreirinhas gordas e ia à luta. O que se fala e escreve de merda engalanada na França é inacreditável, eu mesma nunca engoli nada dessa empulhação que confunde ininteligibilidade e chatice com profundidade, nem Lacan, nem Godard, nem Robbe-Grillet, nada dessas merdas, tudo chute e chato, e quem gosta é porque foi chantageado a gostar e, no fundo, se sente burro. Sartre ainda tinha umas coisas, se bem que L'être et le néant é a mãe dele, mas ainda tinha umas coisas, às vezes era arrebatador. Não, não tenho nada que me sentir como Lacan, eu... Ha-ha-ha, desculpe, é dessas crises de riso que a gente não consegue deter. Lacan... Imagine a cena, um maluco furibundo, com o miolo cheio de cocaína ou anfetamina, despejando aquela enxurrada amazônica de non sequiturs esbugalhados em cima de uma platéia que nunca entendeu e até hoje vive tentando comicamente entender e terminando por falar do mesmo jeito e acabando invariavelmente por infelicitar alguém.
Ele não escreveu porque, provavelmente, não conseguia sentar para escrever. Tem gente assim. Eu também, quando ficava ligadona, era assim, não parava quieta, nem na cama. Devia haver um nome para essa doença, ou pelo menos para alguns de seus sintomas. Não a doença dele, que era uma variante neurológica maligna de glossolalia, nada de extraordinário. Eu me refiro à doença dos religiosos dele, os iniciados, os sacerdotes e, naturalmente, os que usam o tal "tempo lógico" - como se o Mestre dos Mestres jamais houvesse proferido alguma coisa de lógico - mais espertamente, só deixando o sofrente falar dois minutos e mandando-o às favas para ter tempo de atender a mais noviços. Lógico para o bolso; é uma. (RIBEIRO, 1999, p.92)

RIBEIRO, João Ubaldo. A Casa dos Budas Ditosos - Luxúria. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999.

* Uma indizível obra. Prazer garantido!

8 de dez. de 2010

Garimpo de Notícias

Torcedores poderão comprar "Pedacinhos do Maracanã"

A secretária Márcia Lins revela que pequenas pedras das arquibancadas serão adquiridas como souvenirs, e outras partes serão leiloadas.
"É apenas um souvenir, mas o torcedor que desejar ter uma lembrança material do Maracanã poderá fazê-lo em breve. Isso porque a Secretaria de Turismo, Esporte e Lazer do Rio de Janeiro colocará à venda um lote de cinco mil pequenas pedras que têm sido retiradas durante a demolição das arquibancadas do estádio. O preço, que ainda não foi divulgado, será simbólico."

Fonte: Globo.com - 07/12/2010.

- Aqui você, utilize o dinheiro para comprar um livro (não Caras, jornais baratos e afins) ou um prato de comida para quem está com fome. Mas comprar concreto "simbólico", refugo de obra, tenha dó!

Dilma fará visita ao Complexo do Alemão dia 21

A presidente eleita, Dilma Rousseff, fará uma visita ao Complexo do Alemão, no Rio, no próximo dia 21/12, quando completar um mês do início dos conflitos que levaram à ocupação do local pela polícia e Forças Armadas.

- Aqui, muito pior que comprar pedra é saber que a visita da dona vai virar filme. E que tem um monte de gente que vai ver, além, claro, daqueles que compraram as pedras.

Últimas:

Padre Fábio de Melo lança DVD em show nesta quarta, 08/12 em BH. E ontem, terça, o pai de Michael Jackson lançou um livro sobre o filho, aqui, também, na capital de Minas.

- Desisto. Pode comprar pedra até de crack que é muito melhor, tá?

23 de nov. de 2010

Saber e Sofrer

Saber e Sofrer*

Dizer que o conhecimento faz sofrer tornou-se habitual. O sofrimento foi ligado à filosofia e à literatura a ponto de que não podemos imaginar um filósofo, ou alguém com cara de sábio em meio a livros, pulando carnaval ou curtindo uma piscina. Isso é um mito. Os filósofos e os escritores são ainda hoje constantemente vistos como pessoas que sofrem por conhecerem a alma humana em sua profundidade inacessível aos demais. Não quer dizer que conheçam a alma, nem que haja nela uma profundidade inacessível. Isto é apenas possível. É, sobretudo, uma crença compartilhada e, como tal, organiza nossa visão de muitas coisas. Nunca saberemos se os filósofos antigos eram todos sofredores, nem se conheciam a alma humana. Sabemos apenas que deixaram seu testemunho, no qual confiamos e com os quais devemos discutir hoje para entender o nosso tempo.

Muitos dos pensadores contribuíram com esta imagem tratando o sofrimento como seu objeto de estudos, como Schopenhauer no século XIX. Outros fizeram de seu próprio sofrimento o objeto de suas filosofias, como Pascal no século XVII. Todos tentaram entender a relação entre conhecimento e sofrimento. Dos antigos, Aristóteles, por exemplo, usou um termo de Hipócrates, a melancolia, para explicar a relação do saber com o sofrimento. Tanto para o filósofo, quanto para o médico, a melancolia era um temperamento que explicava, inclusive, a inclinação intelectual de uma pessoa. Além de elucidar o pêndulo entre a loucura e genialidade que caracterizava alguns indivíduos.

Os mais interessantes, porém, são alguns dos padres filósofos da Idade Média que falavam de um certo “demônio do meio dia” que assolava os monges como um fantasma obsedante. Antes dos filósofos perderem a crença em entidades sobrenaturais devido ao longo processo de secularização que levou ao modo de se viver no ocidente sempre a crer em ciência e tecnologia, o dito demônio era considerado a causa da dispersão na leitura, da insatisfação no convívio dentro do mosteiro, do rancor, do torpor, da vontade de morrer, das fantasias de catástrofe, da preguiça, da indolência, e também da culpa por viver no mesmo lugar sem capacidade de agir e ajudar os outros, ao mesmo tempo que, responsável por uma crítica geral a tudo e a todos, que o cercavam em sua experiência monacal.

Era o misto de maldade com desespero, de amor com ódio, de autocrítica com crítica dos outros que caracterizava o quadro melancólico que tanto fazia com que o monge se sentisse um inútil, quanto fazia com que ele se tornasse um escritor, um artista envolvido em ilustrar os livros, um filósofo em busca das verdades próximas ou distantes.

A doença é o que cura

Na verdade, muitos acreditavam que a doença não era ruim. Hugo de São Vítor, por exemplo, falava em uma tristitia utilis, uma tristeza útil. Ela era necessária para a evolução espiritual. Esta idéia pode parecer estranha, mas nos ensina algo para os nossos tempos sombrios. Os monges acreditavam que a doença a que chamavam melancolia carregava em si o seu contrário, uma forma de saúde. Ela era uma espécie de cura.

Neste aspecto não somos diferentes dos monges medievais, só perdemos a capacidade de olhar para o que chamamos sofrimento, como se ele fosse, apenas, um modo de ser e o preço pago quando da descoberta da vida. Mas, se o valorizássemos melhor (e não mais) talvez pudéssemos aprender que a condição humana sempre foi à mesma, que não somos diferentes e, portanto, a nossa dor não é diferente. Desde sempre, se nos pensamos como espécie, sofremos. Quem tenta saber mais, ou melhor, sofre de um novo jeito. Em vez de afundar no lodo da dor emocional, podemos descobrir o potencial de transformação do conhecimento. Que o sofrimento não é o resultado do conhecimento, mas seu ponto de partida... saber pode ser mais a cura e a libertação da dor do que a dor.

Conhecer para quê?

Que pensar nos faz sofrer pode até ser verdade. Tanto quanto pode ser verdade que pensar pode ser um prazer imenso. Quem se ocupa em conhecer a si mesmo e ao mundo, sabe que fará a experiência de prazer e desprazer nesta viagem. Os gregos tinham a idéia do phármakon, remédio e veneno ao mesmo tempo, para explicar a dialética da vida. Ela se aplica ao conhecimento. Podemos sofrer com ele e, do mesmo modo, alegrarmo-nos.

A melancolia antiga é ancestral direta da nossa depressão. O excesso de depressão nos dias de hoje não deixa de ter relação com a sociedade do conhecimento e da informação em que vivemos. Queremos resolver tudo pelo conhecimento, mas esquecemos de pensar que, o conhecimento é uma saída que deve servir a algo mais do que o mero progresso da ciência. O conhecimento como potencial de saída da infelicidade, mesmo que tenha nascido dela. Se alguém busca conhecer a si é porque deve pretender com isso ser feliz. Ser feliz é mais ético e mais bonito do que apenas buscar a si mesmo como uma verdade absoluta. Sobre esta verdade de si ninguém tem garantia. A verdade não deve ser uma ilusão da resposta, mas a busca.

* Publicado na Revista Vida Simples em 2008. Por Márcia Tiburi, graduada em filosofia e artes, mestre e doutora em filosofia pela UFRGS.

17 de nov. de 2010

A festa

A festa

por André Felipe Souza Cecílio

A movimentação na casa da Lili havia começado cedo. Mal ela havia acordado e todos da casa já estavam conversando e indo e vindo o tempo todo. Ao contrário do que é de costume, dessa vez ninguém tinha vindo até o quarto de Lili para acordá-la e, após um beijo de bom-dia, levá-la até a mesa de café sobre a qual estaria servido o mais belo lanche da manhã de todo o mundo. Por isso, Lili permaneceu deitada, imaginando o que estaria acontecendo do outro lado da porta.
Na sala, Dona Carmen falava sem parar enquanto distribuía balões para cada um encher. Sua animação era evidente.
- Parece até que o aniversário é dela! – comentou o Lucas, enquanto enchia mais um balão cor-de-rosa. Ah, mas se eu não faço, ninguém mais tem disposição pra fazer. Às vezes eu acho que a Lili é quem faz aniversário, mas vocês que envelhecem! – respondeu Dona Carmen, agora procurando por um pacote de guardanapos na gaveta do balcão da sala – E mesmo por quê, vocês sabem bem que festa de aniversário é coisa muito importante nessa fase dela.
- Nisso ela tem razão – concordou Adelaide, que acabara de entrar na sala com uma imensa travessa de salgadinhos – Pode parecer bobagem, mas essas coisinhas são muito significativas pra ela.

Além disso, se nós podemos oferecer isso a ela, é esse o nosso dever. Tem tanta família aí que é doida pra fazer uma festinha de aniversário e não tem condições… – arrebatou Carmen.
Aos poucos, a sala ia se enchendo de balões verdes, rosas, azuis, roxos, vermelhos e de tantas outras cores que faziam o aposento parecer com as casas dos mais belos contos-de-fadas. Agora, Lucas e Adelaide se botaram a agrupar os balões em belos arranjos para, então, pendurá-los no teto e nas paredes ou deixá-los soltos em algum canto vazio. Dona Carmen, por sua vez, passava um pano úmido pelos móveis e continuava a dar pequenas ordens para os outros dois.
- Vocês tratem de manter esses balões no lugar e não baguncem a sala! Já, já eu vou sair com a Lili para comprar um presentinho pra ela e distraí-la até que dê a hora da festa. Aí, quando os convidados começarem a chegar, vocês me liguem, ok?
- Sim, senhora! – brincou Lucas, batendo continência.
- Bobo!
- Ih!, começou… Ô Carmen, que é que você vai comprar pra ela? – perguntou Adelaide, mudando o assunto.
- Ah, menina, vou comprar uma boneca linda que eu vi vendendo no shopping outro dia. Você precisa ver: é linda, parece até real!
- Ai, mas será que ela ainda gosta de bonecas?
- Eu não sei, mas essa não tem jeito de não gostar. É daquelas personalizadas, já viu? Eu dei uma foto da Lili pro vendedor e encomendei uma que fosse muito parecida com ela, como se fosse a filha. Ela vai adorar!
- Verdade… – concordou Adelaide – e essa filha é boa, porque não chora, não grita, não…
- Não morre… – disse Lucas.

Fez-se silêncio na sala, como se as duas mulheres tivessem perdido as vozes com a fala do Lucas. Só depois de alguns segundos que Carmen conseguiu falar algo:
- Ai, credo, Lucas!
- Uai, e não é verdade? – defendeu-se o outro.
- Em pleno clima de festa vem falar de morte. Cruz credo!
- Ih, foi só um comentário, desculpem! – fez uma pequena pausa – E de qualquer forma, ela já ta um tanto grandinha e já entende esse tipo de coisa, não acham?
Dessa vez, ninguém quebrou o silêncio. Cada um manteve-se entretido em sua atividade sem sequer olhar para o lado. Só quando Carmen terminou a limpeza que ela disse:
- Vou acordar a Lili agora e já vamos sair. Deixem tudo pronto, que os convidados não devem demorar. Aliás, ta faltando alguma coisa que vocês queiram que eu compre por lá?
- Não. – respondeu Lucas.
- Ah, tem sim! É que eu não tive tempo de ir em nenhuma loja, aí não comprei o presente dela, sabe?
- Hum…, entendo. E o que é que você quer que eu compre pra ela?
- Eu pensei em um vestido. Ela fica tão lindinha em vestidos, ainda mais se for um rosinha bem clarinho, não acha?
- Ta certo – concedeu Carmen, com um sorriso – mas você vai me passar o dinheiro agora ou depois?
- Passo agora. Deixei um pouco guardado na bolsa exatamente pra isso. – e foi buscar as notas na bolsa – Toma. E se sobrar troco, compre um sorvete pra ela.
- Sorvete não. Ela vai acabar arrumando uma dor de garganta, aí você já viu…
- Verdade… Nessa idade a saúde é muito fragilzinha. Ah, você compra alguma outra coisinha então.
- Ta bom. Deixe eu ir lá então.

Dona Carmen, então, foi até a porta do quarto de Lili, abriu-a e, ao ver que ela estava acordada, disse, sorrindo:
-Feliz aniversário, Lili!
Lili, que sempre foi um pouco tímida, apenas sorriu de volta e se pôs sentada na cama. Dona Carmen foi até a cômoda no canto do quarto, pegou um vestido numa gaveta e deu para Lili, juntamente com uma pequena sandália de couro claro.
- Vou levar você para passear e comprar um presente lindo. Vamos?
Com a ajuda de Carmen, Lili se vestiu e saiu com ela, parando antes para receber os abraços de Lucas e de Adelaide. Assim que as duas saíram, Adelaide comentou:
- Ai, ai… Ela ta tão felizinha, né?
- Ta… Mas, também, quem não estaria? Hoje, ela é uma princesa igual às dos contos de fadas.
Dentro de poucos minutos, a decoração estava pronta. Lucas e Adelaide, então, se puseram a conversar sobre a festa e imaginar quem viria e se Lili ficaria mesmo feliz. Não demorou muito para que a campainha soasse, anunciando a chegada do primeiro convidado. Era Zezé, um amigo de Lili. Assim com os anfitriões, ele estava muito animado e mal podia esperar para ver Lili.

Aos poucos, foram chegando todos os amigos e familiares. O Antônio e suas duas filhas, a Didi, o Léo, o Fernando e a Luísa, o João, o Pedro e a Carlinha, todos estavam lá. Então, Adelaide e Lucas ligaram para a Carmem, avisando que já era hora de trazer Lili de volta.
Todos na festa estavam ansiosos pela chegada da aniversariante, de modo que, quando Lucas anunciou que ela já estava a caminho, fez-se absoluto silêncio, eventualmente quebrado por uma tosse ou um pigarro. Adelaide foi até a cozinha e retirou do forno um lindo bolo de chocolate branco e morando, coberto com glacê cor-de-rosa e já com todas as velinhas esperando por serem acesas, e colocou-o no centro da mesa.

Quando a campainha soou, todos se levantaram e, mal Lucas havia aberto a porta, um grito em uníssono de “Surpresa!” ecoou por toda a casa. Do outro lado da porta, Dona Carmen aplaudia e ria diante do olhar alegre de Lili. Vestindo o vestido novo, que era rosa e rendado igual ao das sinhás de muito tempo atrás e carregando a nova boneca no colo, como se fosse, realmente, a sua filha, Lili entrou na sala e recebeu abraços e cumprimentos de todos.
- Parabéns!
- Nossa, como você ta linda!
- Que Deus te abençoe sempre!
- E essa boneca? Qual o nome dela? – diziam.
- É Laura Diniz da Silva e Couto. É minha filha – respondia Lili, fazendo questão de apresentar a boneca, enquanto a ninava.
Diante dessa resposta, todos se assustavam um pouco, mas logo faziam outras perguntas e comentários e esqueciam-se de vez da boneca – ou tentavam, pois Lili, a todo momento, brincava de fazer cócegas na boneca e tentar ensiná-la a falar palavras como “mamãe” ou “oi”. Contudo, com o tempo todos se acostumavam e também acabavam brincando com a filha de Lili.
Todos estavam se divertindo bastante, para a alegria de Dona Carmen, Lucas e Adelaide, que também sorriam e se deliciavam com as conversas de família e com os casos tão repetidos e, ao mesmo tempo, tão incrivelmente novos. Lili estava assentada, conversando com os seus amigos Zezé, Didi e Léo, sempre com a boneca no colo.

Mas nenhuma alegria se comparou ao momento no qual apagaram-se as luzes, acenderam-se as velas e começou-se o coro em homenagem a Lili. Em seus olhos, era visível o brilho de uma criança que vive sempre em um lindo conto-de-fadas e, na hora em que se encerrou a alegre música de aniversário, Lili reuniu todas as forças que tinha, encheu os pulmões e, sob calorosos aplausos, apagou todas as oitenta e nove velinhas sobre o bolo.

Disponível em: http://conversacomversos.wordpress.com/

11 de set. de 2010

Postagem nº 100

BOA SORTE

A felicidade deve menos à coragem do que à sorte, menos, mesmo, à sabedoria do que à sorte. A etimologia diz, a vida o confirma: ser feliz é sobretudo ter a felicidade* (a sorte) de sê-lo.

*Bonheur, felicidade em francês, vem do bon heur, oriundo do latim augurium, que no francês arcaico tinha o sentido de Boa Sorte.

Boa sorte é o que desejo a todos(as) que me acompanharão nas noites de Sexta,
no Colégio São Paulo da Cruz.


Um abração para...

Aires Richardson da Silva
Alda Leal da Cruz
Alexandre Almeida Araujo
Aline Cristina Ferreira Barboza
Amélia Rodrigues dos Santos
Benigna Maria de Aguiar
Caren Flanceles Lopes
Carlos Augusto Maia
Carmen Regina dos Santos
Deivisson Bruno Araujo Leal
Edilaine Cristina Alves
Erika Pereira Metzkr
Evanilson Oliveira
Fernando Gustavo Pereira
Frederico Antunes da Silva
Hosana Cristina Amaral Tavares
Ilídia Lúcia Severino
Iris Aparecida Silva Sena
José Marcelo dos Santos
José Vanderlei de Souza
Liane de Oliveira Araujo
Lorena Fonseca Andrade
Márcia Alves Pereira
Marcos Américo Aquino Ferreira
Maria Elizanja I Martins
Maria Irlanda Ferreira
Maria Marli França Ribeiro
Marilza de Lima Barbosa Santos
Marina A Rocha
Meirelene de A. Fernandes Rodrigues
Nayara Cordeiro
Neide Tavares de Faria Henriques
Nilton Alves dos Reis
Orlando Alexandrino dos Santos
Rafael Gonçalves Silva
Raquel Francine de Oliveira
Rita de Cássia P.Santos
Rosele Vilaça Mendes
Rosilene Santos Afonso Dias
Sérgio Andrade da Rocha
Solange Condessa Coura...

17 de ago. de 2010

Façam suas ações refletirem as suas palavras

Discurso de Severn Suzuki, da Organização das Crianças em Defesa do Meio Ambiente, durante a ECO 92, realizado no Rio de Janeiro. Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento.


Na íntegra.

Olá, sou Severn Suzuki. Represento a eco, a organização das crianças em defesa do meio ambiente. Somos um grupo de crianças canadenses, de 12 a 13 anos, tentando fazer a nossa parte, contribuir. Todo o dinheiro que precisávamos para vir de tão longe, conseguimos por nós mesmos, para dizer que vocês, adultos, tem que mudar o seu modo de agir.
Ao vir aqui hoje, não preciso disfarçar meu objetivo: estou lutando pelo meu futuro. Não ter garantia quanto ao meu futuro não é o mesmo que perder uma eleição ou alguns pontos na bolsa de valores. Estou aqui para falar em nome das gerações que estão por vir. Estou aqui para defender as crianças com fome, cujos apelos não são ouvidos. Estou aqui para falar em nome dos incontáveis animais morrendo em todo o planeta porque já não tem mais para onde ir.

Não podemos mais permanecer ignorados. Hoje tenho medo de tomar sol por causa dos buracos na camada de ozônio, tenho medo de respirar esse ar porque não sei que substâncias químicas o estão contaminando.
Eu costumava pescar em Vancouver com meu pai até o dia em que pescamos um peixe com câncer. Temos conhecimento de que animais e plantas estão sendo destruídos a cada dia e em vias de extinção. Durante toda minha vida eu sonhei ver grandes manadas de animais selvagens, selvas, florestas tropicais repletas de pássaros e borboletas mas, agora, eu me pergunto se meus filhos vão poder ver tudo isso.

Vocês se preocupavam com essas coisas quando tinham a minha idade?

Todas essas coisas acontecem bem diante dos nossos olhos e, mesmo assim, continuamos agindo como se tivéssemos todo o tempo do mundo e todas as soluções. Sou apenas uma criança e não tenho as soluções mas, quero que saibam que vocês também não têm.

Vocês não sabem como reparar os buracos na camada de ozônio. Vocês não sabem como salvar os salmões das águas poluídas. Vocês não podem ressuscitar os animais extintos. Vocês não podem recuperar as florestas que um dia existiram, onde hoje, é deserto. Se vocês não podem recuperar nada disso, então, por favor, parem de destruir!
Aqui, vocês são os representantes de seus governos, homens de negócios, administradores, jornalistas ou políticos, mas, na verdade, são mães e pais, irmãos e irmãs, tios e tias, e todos também são filhos. Sou apenas uma criança, mas, sei que todos nós pertencemos a uma sólida família de 5 bilhões de pessoas e ao todo somos 30 milhões de espécies compartilhando o mesmo ar, a mesma água e o mesmo solo. Nenhum governo, nenhuma fronteira poderá mudar esta realidade. Sou apenas uma criança, mas sei que esse problema atinge a todos nós e deveríamos agir como se fossemos um único mundo rumo a um único objetivo.

Apesar da minha raiva, não estou cega, apesar do meu medo, não sinto medo de dizer ao mundo como me sinto. No meu país, geramos tanto desperdício, compramos e jogamos fora, compramos e jogamos fora, e os paises do norte não compartilham com os que precisam. Mesmo quando temos mais do que o suficiente, temos medo de perder nossas riquezas, medo de compartilhá-las. No Canadá, temos uma vida privilegiada com fartura de alimentos, água e moradia. Temos relógios, bicicletas, computadores e aparelhos de tv. Há dois dias, aqui no Brasil, ficamos chocados quando estivemos com crianças que moram nas ruas. Ouçam o que uma delas nos contou: "eu gostaria de ser rica e, se fosse, daria a todas as crianças de rua, alimentos e roupas, remédios, moradia, amor e carinho".
Se uma criança de rua que não tem nada ainda deseja compartilhar, por que nós que temos tudo somos ainda tão mesquinhos? Não posso deixar de pensar que essas crianças tem a minha idade e que o lugar onde nascemos faz uma grande diferença. Eu poderia ser uma daquelas crianças que vivem nas favelas do Rio de Janeiro. Eu poderia ser uma criança faminta da Somália. Uma vitima da guerra do Oriente Médio, ou uma mendiga da Índia.
Sou apenas uma criança, mas ainda assim sei que, se todo o dinheiro gasto nas guerras fosse utilizado para acabar com a pobreza, para achar soluções para os problemas ambientais, que lugar maravilhoso a terra seria!

Na escola, desde o jardim de infância, vocês nos ensinaram a sermos bem comportados, vocês nos ensinaram a não brigar com os outros. Resolver as coisas bem. Respeitar os outros. Arrumar nossas bagunças. Não maltratar outras criaturas. Dividir e não ser mesquinho. Então, por que vocês fazem justamente o que nos ensinaram a não fazer?
Não esqueçam o motivo de estarem assistindo a estas conferências. E para quem vocês estão fazendo isso. Vejam-nos como seus próprios filhos. Vocês estão decidindo em que tipo de mundo nós iremos crescer. Os pais devem ser capazes de confortar seus filhos dizendo-lhes: “tudo ficará bem...”. “Estamos fazendo o melhor que podemos.” Mas não acredito que possam nos dizer isso. Estamos sequer na sua lista de prioridades?
Meu pai sempre diz: “você é aquilo que faz... não aquilo que você diz”...
Bem, o que vocês fazem, nos fazem chorar a noite.
Vocês, adultos, nos dizem que vocês nos amam.
Eu desafio vocês.
Por favor... façam suas ações refletirem as suas palavras.

16 de ago. de 2010

O que podemos conhecer?

Escher (Relatividade)


A primeira impressão diante de uma obra de Escher é de estranhamento, mas também de ludicidade, porque o artista brinca com nossa percepção. O que nos faz pensar: Será que tudo o que vejo é mesmo real? E se tudo for uma ilusão de meus sentidos? Convivo com pessoas que pensam de modo tão diferente de mim, como se vivessem em outra realidade. O que é real? Qual a garantia de que a realidade não seja um sonho? Já tive certezas tão arraigadas e que se dissolveram com o tempo: teria eu caído em erro? E agora, estaria certo? Quais são as garantias de minhas certezas?

BIBLIOGRAFIA.

ARANHA, M. Lúcia de Arruda, MARTINS, M Helena Pires. Filosofando. 2.ed. São Paulo: Moderna, 1993.

5 de ago. de 2010

Saber ouvir

A humanidade começa quando aprendemos a ouvir

Richard Carlson

( Entenda como gastamos uma quantidade enorme de energia tentando estar sempre a frente do outro )

Pense nisso por alguns minutos!

Quando você apressa alguém, interrompe ou termina a frase por ele ou ela, tem que prestar muitíssima atenção para não perder o fio de seus próprios pensamentos, assim como da pessoa que você está interrompendo. Essa tendência incentiva as pessoas envolvidas numa conversação a acelerarem suas falas e pensamentos. Isso, por sua vez, as tornam nervosas, irritáveis e aborrecidas. É completamente exaustivo.
É também motivo para uma série de discussões, porque se existe uma coisa que ninguém gosta, é ter um interlocutor qua não está prestando atenção ao que está dizendo.
E como você pode estar realmente prestando atenção ao que alguém está dizendo, se está empenhado em falar por esta pessoa?

Ouvir efetivamente é mais do que simplesmente evitar o péssimo hábito de interromper os outros enquanto falam, ou, terminar a frase por eles. Ouvir é sentir-se bem ao ouvir plenamente o pensamento do outro, em vez de aguardar, impaciente, sua oportunidade de responder.
A maneira como falhamos como ouvinte, revela muito sobre como vivemos e como somos. É como se nosso objetivo fosse não permitir qualquer intervalo entre a conclusão da frase da pessoa com quem estamos falando e o início de nossa frase. Nesse intervalo poderíamos pensar. Isso é perigoso.
Diminuir o ritmo de respostas e tornar-se um ouvinte mais aplicado o ajudará a se tornar uma pessoa menos estressada. Se você pensar a respeito, verificará que dispensamos uma quantidade enorme de energia e estresse quando ficamos "na ponta da cadeira" tentando adivinhar o que a pessoa à nossa frente dirá para que sejamos ágeis na resposta.

Mas, quando você espera que a pessoa com quem está se comunicando acabe ou, simplesmente, ouve mais atentamente o que está sendo dito, perceberá que a pressão sobre você se alivia. Você imediatamente se sente mais relaxado, e, a pessoa com quem está falando também. Tornar-se um ouvinte melhor não só faz de você uma pessoa mais paciente, como, também, melhora a qualidade de suas relações. Saber ouvir é compreender o princípio das realidades diferentes. Não é simplesmente o esforço de tolerar diferenças, mas, o entendimento real e a constatação do fato de que é impossível que o outro pense e diga o que você pensa ou, quer dizer.

Só quando realmente compreendemos que a realidade é composta pelos diferentes, quando nos asseguramos de que os outros farão coisas de formas diversas e reagirão diversamente aos mesmos estímulos que nós recebemos, é que começamos a compreender a imensa riqueza da vida e de estarmos vivos.
Quando julgamos ou criticamos (no sentido de senso comum) outra pessoa, não são os seus defeitos que estamos denunciando mas, o nosso: a nossa necessidade de sermos críticos. A crítica (no sentido de reprovação e de falar mal) não só não resolve nada, como contribui para a irritação e a desconfiança em relação a todos e a tudo. A crítica neste sentido nada mais é que um péssimo hábito.
É algo que nos acostumamos a fazer; somos íntimos da sensação. É algo que nos mantém acupados e nos fornece assunto para conversas. Experimente procurar a verdade na opinião do outro ao invés de criticá-lo. Toda opinião tem seu mérito, especialmente se estivermos procurando por méritos e não por erros.

Da próxima vez que alguém lhe der uma opinião, em vez de julgá-lo(a) ou criticá-lo(a), tente encontrar o que nela existe de verdade. Experimente respirar antes de falar. A princípio, o espaço de tempo entre duas vozes vai parecer uma eternidade. Mas, representa, apenas, uma diminuta fração de segundo do tempo real. Você se acostumará com o poder e a beleza da respiração e, irá apreciá-la igualmente. Ela fará com que você se aproxime mais e ganhe maior respeito de praticamente todo mundo com quem você tiver contato. Descobrirá que ser ouvido é um dos maiores e mais preciosos tesouros que você pode oferecer a alguém. E tudo que é necessário é intenção e prática.
Experimente deixar de lado a "necessidade" doentia de estar sempre certo.
A necessidade de estar certo (ou, a necessidade de alguém estar errado) encoraja os outros a se defenderem, e nos pressiona a manter nossa defesa.
Todos queremos que nossas posições sejam respeitadas e entendidas pelos outros.
Ser ouvido e entendido é um dos maiores desejos do ser humano.

Pense nisso para o resto de sua vida!

4 de ago. de 2010

Cecília Meireles

Tal qual me vês, há séculos em mim:
números, nomes, o lugar dos mundos e o poder do sem fim.
Inútil perguntar por palavras que disse:
histórias vãs de circunstância, coisas de desespero ou meiguice.
(Mísera concessão, no trajeto que faço:
postal de viagem, endereço efêmero, álibi para a sombra do meu passo…)
Começo mais além: onde tudo isso acaba, e é solidão.
Onde se abraçam terra e céu, caladamente, e nada mais precisa explicação.

Cecília Meireles

31 de jul. de 2010

Afinal, qual o sentido da vida?

Flávio Gikovate*

Essa pergunta pressupõe que a vida tenha um sentido determinado e que cabe a nós descobrir qual é ele. Muitos pensadores e pessoas comuns concluiram que a vida humana não tem um sentido. Ela seria um "evento estúpido" que não vale a pena. E mais, além de não ter sentido, a vida é rica em dores e sofrimentos inúteis.
Na maioria das religiões, a falta de sentido, as dores e sofrimentos da vida levam ao desenvolvimento espiritual; esse sim, seria o verdadeiro sentido da vida. Mas não há como negar que esse "desenvolvimento espiritual", entendido como sendo a vida uma preparação para uma vida melhor num outro "plano", apaga a beleza da vida. Apesar de nos mostrar que somos capazes de tolerar os sofrimentos neste "nosso plano".
Mas, nem tudo neste pensamento religioso pode ser negado. Creio que um dos sentidos da vida está em conseguir partir daqui, um tanto melhor do que chegamos. É claro que a palavra "melhor"pode ser entendida com vários significados.
Vejamos:
Somos extremamente egoístas quando crianças. Amadurecer e evoluir, então, significa ser capaz de se colocar no lugar do outro. Por que? Porque quando nascemos e até determinada idade, somos incapazes de sobreviver sozinhos. Quer dizer, nascemos ignorantes e precisamos nos empenhar para conhecer a nós mesmos, às pessoas e ao mundo que nos cerca.

É imperativo que nos empenhemos em aprimorar nossa subjetividade e, a partir daí, aprender a conviver com as pessoas e com o ambiente que nos cerca.
Mesmo difícil de alcançar e, para algumas pessoas, quase impossível, o fato é que o desenvolvimento pessoal (quando conseguímos alcançá-lo) nos traz um enorme contentamento.
Se pensarmos que um dos sentidos da vida está relacionado com o crescente "orgulho íntimo" de nos sentirmos capazes para tarefas cada vez mais complexas, então poderemos ter aqui um ponto de convergência entre o pensamento religioso (onde as dores e sofrimentos da vida levam ao desenvolvimento) e o modo da filosofia e das ciências humanas de refletir.

Para a filosofia e as ciências humanas (especialmente a psicologia), o prazer que podemos usufruir durante a vida é suficiente para garantir o interesse em nosso desenvolvimento pessoal, mesmo tendo a certeza que a morte é o fim de tudo.

O sentido da vida é um projeto pessoal

Em vez de questionar as características da vida e de nos insurgir contra elas, deveríamos tratar de conhecê-las a fundo, adaptar-nos a elas e delas tirar o ponto de partida para a reflexão e um posicionamento melhor para cada uma de nossas ações.
É verdade que conviver com essas dúvidas originais sobre o sentido de nossa existência nesse planeta é doloroso e sombrio.
Por isso, em qualquer idade de nossas vidas, temos uma enorme tendência a "usar" nossas capacidades de raciocinar e refletir para imaginar (no sentido mais ingênuo possível: sonhar com uma realidade que, provavelmente não se tornará realidade concreta). Por isso, é preciso cautela ao usar nossa imaginação e não fugir da realidade que o dia-a-dia da vida nos oferece.

É evidente que, algumas vezes, a realidade pode até, coincidir com a nossa imaginação. Mas, acredite, são apenas algumas e raras vezes.
Então, se a realidade é menos "cor de rosa" do que gostaríamos que fosse, devemos nos guiar pelos fatos. É a partir de cada fato que, temos de construir o edifício de nossa vida. Procurar construir conhecimentos que possam, de maneira mais segura dirigir as nossas ações. Isto é, o fato de não existir um sentido determinado previamente para vida de cada um de nós, impõe que nós próprios devemos construir um. A vida não tem sentido algum; mas, não é proibido dar-lhe um.

* Este texto é uma adaptação para uma apostila de Filosofia. Refere-se aos capítulos 5-6, do livro "Os sentidos da Vida" de Flávio Gikovate, publicado pela editora Moderna, em 1998.

30 de jul. de 2010

Qual o sentido da vida?

Qual o sentido da vida?

Flávio Gikovate*

Não sabemos de onde viemos...

Apesar de a vida ter aspectos fascinantes e extremamente interessantes, ela se alicerça em algumas peculiaridades muito difíceis de ser toleradas. Uma dessas características diz respeito a uma curiosidade que começamos a ter lá pelos sete anos e que, como regra, jamais nos abandona. Quando entendemos mais as peculiaridades da vida, sentimos uma brutal angústia pelo fato de não sabermos exatamente de onde viemos nem para onde vamos.

Existem dúvidas enormes a respeito da origem da vida no planeta Terra; hipóteses religiosas e cientificas tentam dar explicações adequadas que apaziguem nosso espírito.

Nós não fomos civilizados para viver e conviver com a dúvida. Nossa razão busca explicações rápidas e, às vezes, pouco lógicas, que tentam nos acalmar sobre essa questão.
Existe um número apreciável de hipóteses religiosas que tentam explicar nossa origem; todas elas pressupõem a existência de um criador, uma divindade muito mais sábia e forte que nos gerou com algum intuito nem sempre muito claro e fácil de ser percebido. Essa é a teoria criacionista. Assim, somos "filhos" desse criador e temos que agir de acordo com os mandamentos que ele nos legou por meio dos seus porta-vozes, responsáveis pelos textos chamados "sagrados". Estes textos tratam de aspectos morais de nosso dia-a-dia, e, se seguíssemos essas ordens, seríamos elevados a uma posição bem mais próxima desse Deus.

Na hipótese científica, do ponto de vista materialista, o início da vida humana aconteceu por acaso. Por meio de reações químicas e processos biológicos que se sucederam ao longo de milhões de anos. A existência, ainda viva, no planeta de nossos ancestrais “confirmaria” a teoria evolucionista. No ponto de vista da ciência, houve uma seqüência evolutiva, culminando com a nossa aparição. Nessa forma de raciocinar não existe um criador. Os seres humanos na terra são apenas um produto final de uma série de coincidências.

Essa teoria foi incorporada pela maioria das pessoas que tiveram uma determinada educação escolar. Talvez uma explicação para adotarmos a teoria evolucionista, ao invés, da teoria criacionista, esteja no fato dela ser mais triste e mais difícil de ser tolerada. Isso porque, pensar que a hipótese mais amarga é a mais provável, testa nossa “capacidade” de viver com as dores das “falhas das racionalidades”. Acreditar na existência de um criador alivia a dor de não saber-mos exatamente de onde viemos; logo, essa hipótese passa a ser vista como menos provável. Lembre-se: “a vida nesse mundo é um vale de lágrimas”.
A rejeição pela teoria criacionista é reforçada pela análise dos textos sagrados, por exemplo: a Bíblia, o Alcorão, a Torá. Todos esses textos colocam Deus com características muito humanas, e isso é uma forte razão para as críticas da ciência.

A verdade é que nenhuma dessas duas teorias é consistente o suficiente para nelas acreditarmos, por isso, a pergunta “De onde viemos?” continua. Foi apenas desprezada e esquecida pelo mundo acadêmico, porque essa dúvida original da existência humana é muito penosa.
Acredito que: o “jogo da vida” nos oferece uma certeza indiscutível: não sabemos a nossa origem! Somos filhos da dúvida, somos filhos do mistério. Isso é triste apenas, num primeiro momento. Mas, num segundo momento, é fantástico, porque é a origem da nossa liberdade; nossa possibilidade e dever de escolha. É a certeza de que cada um de nós pode e deve determinar a rota de sua existência. Assim, vivemos numa aventura, numa empreitada onde tudo pode acontecer. Cada dia é “único”, especial e nele há sempre o espaço para o inesperado.

* Este texto é uma adaptação para uma apostila de Filosofia. Refere-se ao capítulo 5, do livro "Os sentidos da Vida" de Flávio Gikovate, publicado pela editora Moderna, em 1998.

29 de jul. de 2010

Filosofia Pré-Socrática

O texto abaixo é uma adaptação para uma apostila de Filosofia. Refere-se ao capítulo 4, do livro "O mundo de Sofia" de Jostein Gaarder, publicado pela editora Companhia das Letras, em 1995.

Os primeiros filósofos (os pré-socráticos), foram chamados "filósofos da natureza", porque se interessavam em saber seu funcionamento, seus processos e o porquê deles. E para responder, eles partiram do que já conheciam e podiam sentir (percepção → apreensão → compreensão). Todos eles partiram da seguinte certeza: "tudo o que existe não partiu do nada, pois o nada não existe".
O que instigava a esses pensadores era, por exemplo, saber se e como a água podia se transformar em peixes vivos, ou como a terra sem vida podia se transformar em árvores frondosas ou em lindas flores. E, o mais importante, como uma criança podia sair do corpo biológico da mãe.
Para todos eles havia uma certa "constância" nas transformações da natureza. O que eles procuravam era como essas transformações eram possíveis. Eles, então, achavam que deveria existir uma determinada "substância básica", que causava todas as transformações da natureza.
Então, podemos afirmar que o projeto dos pré-socráticos englobava questões relacionadas à substância básica por detrás das transformações ocorridas na natureza.
Para nós, hoje, não é muito importante saber quais as respostas dadas por cada um desses pensadores. O que deve nos interessar é porque, no século VI a.C., alguns seres humanos, mesmo vivendo numa sociedade mítica e politeísta, faziam esses tipos de perguntas e tentavam buscar respostas. Eles queriam entender os fenômenos naturais sem recorrer às explicações míticas.

Foi assim que a filosofia libertou-se da religião.
Por isso, é possível afirmar que os pré-socráticos deram os primeiros passos na direção de uma forma "científica" de pensar.
A maior parte do que eles escreveram foi perdido; ou queimado pela igreja nos séculos seguintes. Mas sabemos também, que Aristóteles reescreveu muito do que os pré-socráticos afirmavam além de acrescentar algumas de suas próprias verdades.
O primeiro pré-socrático foi Tales (que morava em Mileto: uma colônia grega na Ásia menor), que considerava a água a tal "substância básica" que dá origem a todas as coisas que existem. Não podemos afirmar, mas talvez, ele tenha imaginado a terra cheia de pequenos e invisíveis germens da vida.

Para Anaxímenes, também de Mileto, a água era o ar condensado. E, quando chove, o ar ficava tão "comprimido" que se transformaria em água novamente. E, se essa água transformada fosse mais comprimida ainda, transformar-se-ia em terra. E, finalmente, o fogo era o ar rarefeito. Então, temos que, para Anaxímenes, a terra, a água e o fogo surgiam do ar.
Anaximandro que também viveu em Mileto, achava que nosso mundo era apenas um dos muitos mundos que surgem de alguma coisa e se dissolvem nessa alguma coisa chamada infinito. Ele foi um dos poucos pré-socráticos que não imaginou a tal da "substância básica". Para ele, a criação que é finita, é resultado (antes e depois de seu aparecimento) de alguma coisa infinita. Ele foi humilde o suficiente para afirmar que o ser humano não tinha capacidade, nem inteligência e menos ainda, linguagem que pudesse definir esse "infinito".

Vários outros pré-socráticos surgiram depois de Tales, Anaxímenes e Anaximandro. Mas vamos apenas, citar um pouco da teoria daqueles que nos chamaram mais a atenção. O pré-socrático mais conhecido é Parmênides, que viveu em Eléia (sua da Itália) entre os anos 540 a 480 a.C. Para ele, tudo o que existe sempre existiu. Isso porque nada surge do nada. Mas ele discordava dos pré-socráticos de Mileto e muitos que escreveram antes dele. Ele foi diferente e, talvez, por isso, o mais interessante de ser estudado. Repito, literalmente, suas palavras: "Nada pode surgir do nada. E, nada que existe pode se transformar em nada".
Assim, ele considerava totalmente impossível qualquer transformação real das coisas. Nada pode se transformar em algo diferente do que já é.
É óbvio que Parmênides sabia e via as transformações que ocorriam nas coisas da natureza. Mas ele não conseguia harmonizar o que via com o que sua razão lhe dizia. E quando era forçado a decidir se confiava nos sentidos ou, na razão, decidia-se pela razão.

Então, são três as principais afirmações de Parmênides: 1ª) Qualquer mudança é só exterior; 2ª) A essência do ser é imutável e 3ª) O ser é o pensar.
Na mesma época de Parmênides viveu Heráclito, em Éfeso, na Ásia Menor. Para ele, as constantes transformações nos seres e na natureza eram justamente a característica mais fundamental da natureza. Tudo flui, dizia Heráclito. Tudo está em movimento e nada dura para sempre. Além disso, todas as coisas que existem no mundo têm o seu oposto. Por exemplo: doença/saúde; fome/comida; guerra/paz... Sem a constante interação entre os opostos, o mundo deixaria de existir. E, é a complementação (resultado dos opostos) que é a "substância básica" que dá origem ao todo. Deus, para ele, está no comando de todas as transformações que podemos perceber com nossos sentidos humanos nas coisas da natureza e nos seres humanos.
Podemos dizer que Heráclito e Parmênides são os filósofos pré-socráticos que, nas suas teorias, mais se confrontam.

Mas, depois deles, veio Empédocles, que afirmava que aqueles dois pensadores tinham mostrado ao mundo, que não existia uma "substância básica" inquestionável da qual é originado tudo o que existe. Para Empédocles, o abismo entre o que nossa razão nos diz e que nossos sentidos percebe é intransponível. Empédocles chegou à conclusão de que a noção de "substância básica", tirado de um dos quatro elementos (água, ar, fogo e terra) não existe. Esses elementos são, como ele afirmava, apenas raízes do que existe na natureza. Mas eles (apesar de qualquer transformação) continuam a ser o que são. Portanto, não é certo dizer que tudo muda. Basicamente, nada se altera. O que acontece é que esses quatro elementos se combinam e depois voltam a se separar para então combinarem novamente. Para Empédocles o que une as coisas é o amor e o que as separa é a disputa.

Ele também afirmava (e isso vale até hoje) que é preciso diferenciar entre o elemento e a força que faz esse elemento agir. Sabemos que a ciência moderna acredita poder explicar todos os processos da natureza, através da interação entre os diferentes elementos e algumas poucas forças naturais que os movimentam.
Enfim, todos os filósofos pré-socráticos tentaram fazer uma cosmologia em contraposição à cosmogonia feita pela mitologia grega.

Lembrando:

Cosmogonia = "COSMOS" = ordem da natureza ou do universo.
"GONIA" = Nascimento (Para os gregos daquela época, nascimento era, sempre, obra de algum deus).

Cosmologia = "COSMOS" = ordem da natureza ou do universo.
"LOGIA" = Explicação dada pela razão (percepção → apreensão → compreensão).

27 de jul. de 2010

Hospital Psiquiátrico de Barbacena/MG

Fotos do Hospital Psiquiátrico de Barbacena/MG

Material cirúrgico utilizado pelos alienistas para "conter" os alienados.

"Antes que você torça o nariz e sinta náuseas diante destas falas grotescas e corpos arruinados pelos hospícios e pela vida, saiba que pelo avesso, elas falam de beleza, saúde, alegria, bem estar e esperança. Compare-se a estas pessoas (sim, são pessoas, membros de nossa espécie homo-sapiens, gerados em ventres humanos) e, descubra que sua ocasional infelicidade é insignificante, que sua ligeira depressão é frescura, que suas rugas são lindas e que o mundo chato em que você vive é o paraíso. Estes infelizes existem para lembrá-lo que sua felicidade é mais real do que você imagina. Sinta-se igual a eles. Você é apenas o outro lado da moeda".
(Edson Brandão)

26 de jul. de 2010

Temporalidade e Tempo

DIMENSÃO DA HISTORICIDADE NO SER HUMANO

Essência da História Individual de cada Ser Humano

- Cada um tem sua história e faz sua própria história.
- Cada um terá seu fim. O homem é um "ser-para-a-morte".
- Cada um quer justificar sua vida, dar-lhe sentido.
- A maioria quer assumir o sentido de sua vida.
- Cada história individual faz parte da história coletiva.
- Tomar consciência de si próprio depende da consciência da história universal.

1) TEMPORALIDADE E TEMPO

- Cada indivíduo deve percorrer, num processo irreversível, as fases de sua vida.
- O modo de ser homem é a sucessão de momentos aonde suas chances e dificuldades apresentam-se diferentes em cada uma das fases de sua vida.

O que é Temporalidade?

- Sucessão das várias fases da vida.
- A temporalidade NÃO se confunde como Tempo.
- A temporalidade é uma característica do Indivíduo consciente de sua mortalidade.
- É a temporalidade que determina para o indivíduo que:
  Cada uma de suas ações e decisões não podem ser retrocedidas.

O que é Tempo?

- É a medida do movimento segundo o "antes" e o "depois". (Aristóteles - 384 - 322 a.C.)
- O tempo é um conceito subjetivo criado pela sociedade humana, para explicar a base das transformações da sociedade. (Kant - 1724 - 1804)

Tempo é um conceito.

Tipos conceituais de Tempo:

1) Tempo Físico:
- É a sucessão de instantes (segundos, minutos, horas, dias etc).
- É retilíneo, contínuo e regular.
- Nele, só presente é real.
- Representado na mitologia grega por "Cronos", que devora seus próprios filhos.
Obs.:Não é o tempo da Física Quântica.

2) Tempo Circular:
- Nietzsche: "O eterno retorno".
- A realidade humana não tem começo nem fim. Tudo volta a se repetir de tempos em tempos. (Este conceito não tem adeptos na filosofia nem na ciência)

3) Tempo Sagrado:
- O tempo é linear, tem começo na criação do planeta terra por Deus e terá seu final na consumação dos tempos (Juízo Final).
- O tempo sagrado é repetível e recuperável, como por exemplo: arrependimento.

4) Tempo Vivencial:
- É o tempo subjetivo, é o tempo de cada um, de acordo com suas emoções e sentimentos.
- Não se relaciona em nada com a marcha objetiva do tempo.

5) Tempo Antropológico:
- É tridimensional: "Agora", "Antes" e "Depois".
- É o tempo físico enquanto está na consciência.
- Envolve a consciência do ser humano de seu corpo e seu espírito.

Santo Agostinho:
O presente é a passagem do "ainda não" para o "não mais".
O passado é diferente do presente e do futuro, mas não existe sem eles.
A consciência / alma / espírito tem uma duração que transcende o presente.

- O tempo antropológico é a conexão do presente com o passado e o futuro.
- O tempo antropológico é a ESTRUTURA FUNDAMENTAL da existência humana.

2) HISTORICIDADE

- A historicidade é o tempo antropológico (Tridimensional) com o conteúdo das histórias individuais e da coletividade (Sociedades).
- A historicidade tem como objetivo a auto-realização do ser humano.
- A auto-realização pressupõe a liberdade, só que ela é finita.
- O ser humano está "esticado" entre o passado e o futuro.
- Seu PRESENTE É, FOI e SERÁ.
- Na historicidade, o passado não pode ser mudado, embora continue agindo sobre o presente, seja como capacidades adquiridas seja como recalques, falhas, culpas etc.
- O passado só poderá ser modificado no seu sentido para minha consciência através de duas possibilidades: psicoterapia ou decisão própria de assumir responsabilidade (aprender com os erros).
- O futuro é aberto, porque depende da liberdade de escolha.

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O HOMEM É UM SER TEMPORAL E HISTÓRICO EM TODAS AS SUAS AÇÕES
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1) Percepção dos sentidos humanos:
- A percepção é mediada pelo tempo. Quando tomamos consciência da percepção de uma determinada realidade, esta realidade já se modificou.
- Nossa percepção é também tridimensional, nossa mente constrói o passado e futuro da percepção presente.
- De percepções parciais criamos mentalmente a percepção total de uma realidade.

2) As decisões humanas:
- Decidir é resolver problemas do "antes" (passado) no "agora" (presente) para que este problema não atrapalhe o "depois" (futuro).

3) Hábitos humanos:
- Hábito é uma facilidade nas ações do presente, que adquirimos no passado.
- Qualquer ação humana pode tornar-se hábito, ser padronizada.
- A antropologia considera os hábitos um tipo de progresso humano, porque ele (os hábitos) dispensa o cérebro do esforço de decidir.

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A HISTORICIDADE HUMANA É UMA TENSÃO PARA CADA INDIVÍDUO, QUE O ATORMENTA PERMANENTEMENTE.
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A constituição da vida humana resume-se no mundo (real) associado ao tempo. A vida humana está em algum lugar entre o pré-dado (antes), mas que continua agindo encurtando o tempo presente (agora) e entre a pre-ocupação com um futuro aberto (depois).
A historicidade é uma tensão entre liberdade e determinação. Nem tudo que se pode fazer na vida, pode ser feito agora. Mas é preciso agilidade de pensamento e visão de conjunto para compreender as situações individuais e as situações sociais que precisam da ação no agora e as que podem retornar mesmo diferentes de alguma forma.

3) A CONSCIÊNCIA HISTÓRICA

- A história como realidade é o ser dos fatos, o movimento real da humanidade através dos tempos.
- A história como ciência é o conhecimento metódico e crítico das interpretações que os fatos "ganharam" e a relação entre eles.
- A história é a realidade compreendida como sequência de transformações das condições da vida humana e como estas transformações são interpretadas e reinterpretadas através dos tempos.

Postura da consciência humana em relação à história:

a) Consciência historiadora:
- Análise cientificamente "objetiva" do passado, "sem" julgamentos de valores éticos, raciais, religiosos, econômicos etc.
- O passado é PASSADO.
- O passado é, apenas, um objeto de estudo.

b) Consciência histórica:
- Análise do passado a partir de quem faz esta análise.
- Quem analisa o passado sabe-se parte dele, atingido por ele e, envolvido com os homens que viverem naquele passado.
- Quem analisa sente que é participante do passado histórico da humanidade.
- Tem um sentido global das várias concepções de homem em várias épocas diferentes do passado.
- Tem um sentido espiritual (de consciência individual) que orienta a vida de cada pessoa em seu presente.


Cont...


BIBLIOGRAFIA

RABUSKE, Edvino A. Antropologia filosófica: um estudo sistemático. 10.ed Petrópolis: Vozes, 1986. p.158-172.

25 de jul. de 2010

"Atmosfera" de alerta.

(...) Sem memória e sem esperança, instalavam-se no presente. Na verdade, tudo se tornava presente para eles. A peste, é preciso que se diga, tirara a todos o poder do amor e até mesmo da amizade. Porque o amor exige um pouco de futuro e para nós só havia instantes.

É claro que nada disto era absoluto. Pois se é verdade que todos os separados chegaram a esse estado, é justo acrescentar que não chegaram todos ao mesmo tempo e que, da mesma forma, uma vez instalados nessa nova atitude, lampejos, retrocessos, bruscos estados de lucidez levavam os pacientes a uma sensibilidade mais nova e mais dolorosa. Eram necessários para isso momentos de distração, em que eles formavam algum projeto que implicava o fim da peste. Era preciso que eles sentissem, inopinadamente e por efeito de alguma graça, a mordida de um ciúme sem objeto. Outros encontravam também renascimentos súbitos, saíam do seu torpor em certos dias da semana, no domingo, naturalmente, e aos sábados à tarde, porque esses dias eram consagrados a certos ritos, do tempo do ausente. Ou, então, uma certa melancolia que os invadia ao fim da tarde dava-lhes o aviso, alias nem sempre confirmado, de que a memória ia voltar. Essa hora da tarde, que para os crentes é a do exame de consciência, é dura para o prisioneiro ou o exilado que só pode examinar o vácuo. Ela mantinha-os suspensos por um momento; depois, voltavam à atonia, encerravam-se na peste.

Já se compreendeu que isso consistia em renunciarem ao que tinham de mais pessoal. Ao passo que nos primeiros tempos da peste eles se surpreendiam com a quantidade de pequenas coisas que contavam muito para eles, sem terem qualquer existência para os outros, e faziam assim a experiência da vida pessoal, agora, pelo contrário, só se interessavam por aquilo que interessava aos outros, já não tinham senão idéias gerais e o seu próprio amor assumira para eles a forma mais abstrata. Estavam a tal ponto abandonados à peste que lhes acontecia às vezes só desejarem o sono e surpreenderem-se a pensar: “Que venham logo os tumores e se acabe com isto!” Mas, na realidade, já estavam dormindo e todo este tempo não foi mais que um longo sono. A cidade estava povoada por sonolentos acordados que só escapavam realmente ao seu destino nos raros momentos em que, de noite, a sua ferida aparentemente fechada se reabria bruscamente. E, despertados em sobressalto, apalpavam então, distraídos, os bordos irritados dessa ferida, redescobrindo num lampejo o seu sofrimento, subitamente rejuvenescido e, com ele, a imagem perturbada do seu amor. De manhã, voltavam ao flagelo, quer dizer, à rotina. (CAMUS, 2004, p. 161-162)

(...)

CAMUS, Albert. A Peste. Tradução: Valerie Rumjanek. 15.ed. Rio de Janeiro: Record, 2004


(+) Dica: Existe uma dissertação de mestrado com o título: O SENTIDO DO EXÍLIO EM LA PESTE DE ALBERT CAMUS, disponível na internet. A autora se chama Cristianne Aparecida Lameirinha  -  São Paulo, Dezembro de 2006.