2 de jun. de 2012

Amor: como união, NÃO unidade.

O amor como troca recíproca entre dois seres que preservam a individualidade e a autonomia: A troca recíproca, emotivamente controlada, de atenções e cuidados tem por finalidade o bem do outro como se fosse o seu próprio. Na forma feliz desse tipo de amor, há reciprocidade, há união, mas não unidade.

O Filósofo alemão, Odo Marquard, falou do parentesco etimológico ...entre zwei e Zweifel (dois e dúvida) e insinuou que o elo entre essas palavras vai além da simples aliteração (sons parecidos).

Onde há dois não há certeza. E quando o outro é reconhecido como um "segundo" plenamente independente, soberano - e não uma simples extensão, eco, ferramenta ou empregado trabalhando para mim, o primeiro - a incerteza é reconhecida e aceita.

Ou seja, ser duplo significa consentir em indeterminar o futuro. Boas noites.

27 de mai. de 2012

O SENTIDO DA VIDA É SENTIDO PARA QUEM O VIVE


Para uma compreensão inicial sobre o conhecimento filosófico, o importante é deixar claro que a filosofia é um instrumento de auxílio para a vida de cada um e não definição que pretende encerrar a verdade sobre a vida humana, a vida de todos.
As teorias filosóficas prestam-se para o sujeito filosofar sobre seu mundo, suas explicações, sobre o que interfere na sua existência e, não para ditar verdades e criar "igrejas" e "discípulos" incapazes de pensar por si próprios.

A questão é: a vida humana não tem um sentido único para os homens. Portanto, cabe a cada um encontrar o sentido, o significado de valor naquilo que acredita, naquilo que faz e na maneira como se relaciona com o mundo e com os outros.
Se a vida humana é temporária, filosofar dá a cada instante a possibilidade de viver com intensidade infinita. Filosofar é compreender que, não sendo possível desfazer o já feito, compreender que o que está por fazer, é a única maneira de construir, com dignidade a própria existência.

Entendido isso, não espere que o mundo aceite de "braços abertos" quem exerce, verdadeiramente, a filosofia. Mas, acredita, filosofar e praticar reflexão filosófica no seu cotidiano é um grande passo para tornar-se humano e construir sua própria vida, ao invés de viver a vida e as verdades alheias, e, depois, arrepender-se.

BIBLIOGRAFIA

SILVEIRA, Cristina Angélica. Noções Básicas de Conceitos Filosóficos – Caminhando para uma introdução à filosofia. 2.ed. Belo Horizonte: Publicação Independente. 2003.

20 de abr. de 2012

Quando tomamos consciência, raciocinamos e compreendemos algo novo, uma idéia nova, nós...

Estamos em um território completamente novo em nosso cérebro. E, por estarmos em um território completamente novo, estamos reestruturando o cérebro, literalmente reconectando-o a um novo conceito. Então, em última análise, isso nos modifica por dentro. E se eu mudar minha mente, mudarei minhas escolhas? Se eu mudar minhas escolhas, minha vida mudará? Mas porque não consigo mudar? Em que estou viciado? Irei perder aquilo a que estou quimicamente apegado? A que pessoa, lugar, coisa, época ou acontecimento estou quimicamente apegado, e, não quero perder porque posso ter de vivenciar sua privação química?
Eis o drama humano.

(Fragmento do filme: Quem somos nós?)

14 de abr. de 2012

Aos colegas de profissão (Psicólogos) e "amantes" da reflexão Filosófica.

GÊNIO E NEUROSE

O gênio passa, solitário e dolorido, mas cônscio (ciente, sabedor, responsável) do próprio destino, incompreendido e gigantesco, repugnando os ídolos da multidão, atordoado pelo estrépito (barulho, gritaria) da vida, desatento e inepto (confuso), porque sua alma é toda ouvidos para um canto sem fim que lhe ...sai de dentro e voa ao encontro do infinito.

Estranho sonhador, preso no sagrado tormento da criação, absorvido nos ócios fecundos em que amadurece o invisível trabalho íntimo, sofre com uma paixão em que não é o homem, mas o universo que responde. A imensidade do infinito está próxima e ele não vê a Terra, que atrai todos os olhares e todas as paixões. Vive de lutas titânicas. Pede à vida a realização do ideal, sem possibilidade de concórdia com a mediocridade, aspirado como um turbilhão pela ânsia da evolução.

Conhece o medo de quem se debruça sobre o abismo dos grandes mistérios, a vertigem das grandes altitudes, a amargurada solidão da alma diante da inconsciência humana; conhece a luta atroz contra a animalidade que retorna, as imensas fadigas e os perigos que aguardam os que querem alçar-se ao vôo. Os cegos dizem: é louco! Sente-se esmagado pelo inútil peso do numero; compreende a baixeza de quem não o compreende. Mesmo a ciência, filha da mentalidade utilitária da mediocridade incompetente, mas ávida de julgar, sentencia: neurose!

Mas o gênio não pode descer; sente seu Eu gritar e não pode calar. Ele não é um corpo apenas, como os outros, é, acima de tudo, uma alma. O espírito que dormita (cochila) em tantos e deve nascer, aparece nele como um gigante, evidente, troveja e se impõe; quem poderá compreender suas lutas titânicas? A humanidade caminha lenta, debaixo do esforço da própria evolução; ele está à frente e carrega toda a responsabilidade, arrasta o peso de todos. A massa diz: anormal; a ciência fala: neurose. (Páginas 385,386)

UBALDI, Pietro. A Grande Síntese. 21.ed. Campos dos Goytacazes, RJ: Fraternidade Francisco de Assis, 2001.

Ps. E você, o que acha?

17 de mar. de 2012

Aprender a pensar é descobrir o olhar

Márcia Tiburi, Filósofa 

A diferença entre ver e olhar é tanto uma distinção semântica que se torna importante em nossos sofisticados jogos de linguagem tomados da tarefa de compreender a condição humana – e, nela, especialmente as artes –, quanto um lugar comum de nossa experiência. Basta pensar um pouco e a diferença das palavras, uma diferença de significantes, pode revelar uma diferença em nossos gestos, ações e comportamentos. Nossa cultura visual é vasta e rica, entretanto, estamos submetidos a um mundo de imagens que muitas vezes não entendemos e, por isso, podemos dizer que vemos e não vemos, olhamos e não olhamos. O tema ver-olhar – antigo como a filosofia e a arte – torna- se cada vez mais fundamental no mundo das artes e estas o território por excelência de seu exercício. Mas se as artes nos ensinam a ver – olhar, é porque nos possibilitam camuflagens e ocultamentos. Só podemos ver quando aprendemos que algo não está à mostra e podemos sabê-lo. Portanto, para ver olhar, é preciso pensar.

Ver está implicado ao sentido físico da visão. Costumamos, todavia, usar a expressão olhar para afirmar uma outra complexidade do ver. Quando chamo alguém para olhar algo espero dele uma atenção estética, demorada e contemplativa, enquanto ao esperar que alguém veja algo, a expectativa se dirige à visualização, ainda que curiosa, sem que se espere dele o aspecto contemplativo. Ver é reto, olhar é sinuoso. Ver é sintético, olhar é analítico. Ver é imediato, olhar é mediado. A imediaticidade do ver torna-o um evento objetivo. Vê-se um fantasma, mas não se olha um fantasma. Vemos televisão, enquanto olhamos uma paisagem, uma pintura.

A lentidão é do olhar, a rapidez é própria ao ver. O olhar é feito de mediações próprias à temporalidade. Ele sempre se dá no tempo, mesmo que nos remeta a um além do tempo. Ver, todavia, não nos dá a medida de nenhuma temporalidade, tal o modo instantâneo com que o realizamos. Ver não nos faz pensar, ver nos choca ou nem sequer nos atinge. As mediações do olhar, por sua vez, colocam-no no registro do corpo: no olhar – ao olhar - vejo algo, mas já vitimado por tudo o que atrapalha minha atenção retirando-a da espécie sintética do ver e registrando- a num gesto analítico que me faz passear por entre estilhaços e fragmentos a compor – em algum momento – um todo. O olhar mostra que não é fácil ver e que é preciso ver, ainda que pareça impossível, pois no olhar o objeto visto aparece em seus estilhaços de ser e só com muito custo é que se recupera para ele a síntese que nos possibilita reconstruir o objeto. É como se depois de ver fosse necessário olhar, para então, novamente ver. Há, assim, uma dinâmica, um movimento - podemos dizer - um ritmo em um processo de olhar-ver. Ver e olhar se complementam, são dois movimentos do mesmo gesto que envolve sensibilidade e atenção.

O olhar diz-nos que não temos o objeto e, todavia, nos dispõe no esforço de reconstituí-lo. O olhar nos faz perder o objeto que visto parecia capturado. Para que reconstituí-lo? Para realmente captura-lo. Mas essa captura que se dá no olhar é dialética: perder e reencontrar são os momentos tensos no jogo da visão. Há, entretanto, ainda outro motivo para buscar reconstruir o objeto do olhar: para não perder além do objeto, eu mesmo, que nasço, como sujeito, do objeto que contemplo – construo enquanto contemplo. Olhar é também uma questão de sobrevivência. Ver, por sua vez, nos liberta de saber e pode nos libertar de ser. Se o olhar precisa do pensamento e ver abdica dele, podemos dizer que o sujeito que olha existe, enquanto que o sujeito que vê, não necessariamente existe. Penso, logo existo: olho, logo existo. Eis uma formulação para nosso problema.

Mas se não existo pelo ver, não estou implicado por ele nem à vida, nem à morte. Ver nos distancia da morte, olhar nos relaciona a ela. O saber que advém do olhar é sempre uma informação sobre a morte. A morte é a imagem. A imagem é, antes, a morte. Ver não me diz nada sobre a morte, é apenas um primeiro momento. Ver é um nascimento, é primeiro. O olhar é a ruminação do ver: sua experiência alongada no tempo e no espaço e que, por isso, nos instaura em outra consistência de ser. Por isso, nossa cultura hipervisual dirige-se ao avanço das tecnologias do ver, mas não do olhar. É natural que venhamos a desenvolver uma relação de mercadoria com os objetos visualizáveis e visíveis. O olhar implica, de sua parte, o invisível do objeto: a coisa. Ele nos lança na experiência metafísica. Desarvoranos a perspectiva, perturba-nos. Por isso o evitamos. Todavia, ainda que a mediação implicada no olhar faça dele um acontecimento esparso, pois o olhar exige que se passeie na imagem e esse passear na imagem traça a correspondência ao que não é visto, é o olhar que nos devolve ao objeto – mas não nos devolve o objeto - não sem antes dar-nos sua presença angustiada.

O olhar está, em se tratando do uso filosófico do conceito, ligado à contemplação, termo que usamos para traduzir a expressão Theorein, o ato do pensamento de teor contemplativo, ou seja, o pensar que se dá no gesto primeiro da atenção às coisas até a visão das idéias tal como se vê na filosofia platônica. Paul Valéry disse que uma obra de arte deveria nos ensinar que não vimos aquilo que vemos. Que ver é não ver. Dirá Lacan: ver é perder. Perder algo do objeto, algo do que contemplamos, por que jamais podemos contemplar o todo. O que se mostra só se mostra por que não o vemos. Neste processo está implicado o que podemos chamar o silêncio da visão: abrimo-nos à experiência do olhar no momento em que o objeto nos impede de ver. Uma obra de arte não nos deixa ver. Ela nos faz pensar. Então, olhamos para ela e vemos.

Artigo originalmente publicado pelo Jornal do Margs, edição 103 (setembro/outubro).

29 de fev. de 2012

Atribulações do Espírito

O espírito (leia-se intelecto) nada encontra além de disparates e contradições, quando sai a procura de razões, de significados. Diante do irracional, sente em si o desejo de felicidade e razão. O absurdo nasce desse confronto entre o apelo humano e o silêncio irracional do mundo. Isto é o que não devemos esquecer. A isto é que devemos nos apegar, porque toda a consequencia de uma vida pode nascer daí. O irracional, a nostalgia humana e o absurdo que surge de seu encontro, eis os tres personagens do drama (humano) que deve necessariamente acabar com toda a lógica de que uma existência é capaz. Camus, em O Mito de Sísifo.

Ps. Enfastiado com isso aqui!


BBB: si-mesmo como espetáculo
Verlaine Freitas*

Os reality-shows tornaram-se um fenômeno de cultura de massa em vários países, e no Brasil não foi diferente. O fato de que a audiência deste programa cresce a cada dia convida a uma reflexão sobre seu significado cultural. 

Nos anos 40 do século passado, Adorno e Horkheimer disseram que o que a cultura de massa vende é, no final das contas, o cotidiano cinzento, engrandecido pelo brilho dos meios técnicos. Por mais que tais obras mostrem voos de fantasia e exercícios da imaginação, seu sentido cultural mais próprio é o de oferecer às pessoas a satisfação da vida que já sempre levam. Buscando uma identificação, seja com a realidade vivida no dia-a-dia, seja com os sonhos e ideais de vários tipos, a cultura de massa glorifica a percepção narcísica que cada um tem de si mesmo. — Transcorridos pouco mais de 50 anos, a invenção desses shows-de-realidade aparece como uma confirmação impressionante dessa análise, realizada quando a indústria cultural ainda se estruturava, sem o poder de manipulação das imagens, sons e poder de difusão como nos dias de hoje.

(Há que se notar, que, através da expressão “oferta cultural”, que uso várias vezes aqui, pretendo dizer de um sentido geral do que é vendido por esse tipo de produto de entretenimento. Tal não significa dizer que toda e qualquer pessoa que o consuma o faça apenas ou eminentemente em função dessa “lógica”. Com base em um princípio geral de interpretação de produtos culturais, creio que não seja possível haver uma teoria suficientemente potente capaz de explicar e de abarcar as infinitas possibilidades de recepção de qualquer item cultural que seja. Cada pessoa tem uma dinâmica psíquica, uma disposição mental própria, um conjunto de valores sui generis etc., de modo que somente uma análise centrada em cada pessoa pode dizer de sua própria recepção a um bem cultural. Análise cultural não tem a validade de um diagnóstico clínico, mas, segundo penso, pode ser suficientemente válida para dizer de linhas de força que transitam pelo tecido social, às quais dificilmente alguém, em princípio, poderia se dizer totalmente imune.)
Já se disse várias vezes que os reality-shows possuem como uma de suas características peculiares a ausência de narrativa, de uma linha de ficção. Se as novelas já procuravam fazer um retrato estilizado dos conflitos, alegrias, sonhos e frustrações da classe média urbana, o Big Brother se apresenta como a oferta das infinitas vicissitudes da vida sem esta capa, este véu da ficção. Por mais que os críticos desse tipo de programa digam da artificialidade do comportamento das pessoas que se esforçam por ganhar o prêmio máximo, como também do trabalho de edição das imagens e da criação de uma linha de eventos que fornece uma coerência de uma narrativa artificial, parece pesar mais para os consumidores a percepção de que, sob a pressão do confinamento a longo prazo, as pessoas acabam revelando aquilo que elas mesmas são, de uma forma mais franca, verdadeira.

Creio que seja isso mesmo que o programa ofereça como satisfação cultural: um modo de digerir, através de uma atitude voyerista, a inquietude de não se saber quem se é. Vende-se um gozo pornográfico de bisbilhotar a intimidade virulenta e arredia que escapa pelos dedos, sob a pressão do olhar de milhões de pessoas.

Já se disse que toda a atitude do consumo, e por extensão da cultura de massa em geral, é a de erotização do cotidiano, com o apelo sensual/sexual de toda mercadoria, seja ela um bem físico, como uma calça, seja uma música ou um filme. O reality-show estimula, de forma escancarada e assumida a polaridade do exibicionismo e do voyeurismo, que são muito facilmente intercambiáveis devido à quantidade infinita de momentos em que o espectador se identifica com o que ocorre na tela.

Embora a idéia de Adorno de que se venda o cotidiano cinzento realmente me pareça válida, eu a modificaria no sentido de que o Big Brother vende todas as cores emocionais, de comportamento e de desejo que a individualidade auto-centrada dos nossos dias acostumou-se a cultivar, seja de forma concreta, seja como uma mera imagem do que se deseja ser. Há algum tempo o diretor do programa havia dito que no Big Brother deveria haver o máximo de ódio e o máximo de amor. De fato, é necessário saturar a percepção de emotividade contraditória que as pessoas gostam de saborear em si mesmas e, ao mesmo tempo, escarnecer de sua mesquinhez ao vê-la projetada naquele que vive sob a pressão de realizar seu desejo exibicionista. Que a cada edição sejam introduzidos novos personagens, com posturas e tipos psicológicos bem diferenciados, e que atitudes, antes tomadas como tabus, como o beijo homossexual, sejam admitidas e ao mesmo tempo censuradas / condenadas, tudo isso é parte dessa oferta cultural de trazer ao palco todas as vicissitudes pelas quais passam as opções por uma individualidade qualquer.

Tal como a relação sexual adquire um ingrediente que pode torná-la mais saborosa, a saber, com um espelho que reflita toda a cena, essa multiplicidade cromática do cotidiano ganha um sabor todo especial pela mediação dessa presença universalizante da televisão. Trata-se de um enorme espelho que tem sua potência erotizante multiplicada pela quantidade de pessoas que se sabe serem também espectadores como nós. Diante disso, não me causa nenhuma uma surpresa a já prosaica situação de pessoas que, em uma festa real em seus apartamentos, param o que estão fazendo a fim de assistir a uma festa do Big Brother. De fato, a encenação espetacularizada da festa do outro já contém algo da transcendência da ficção, pelo fato de receber essa injeção cavalar da dignidade de ser um objeto de observação por milhões de pessoas. Essa lascívia de se transportar para o gozo do outro, sorvê-lo através da segurança do distanciamento dado pela tela, ao mesmo tempo em que se tripudia do quanto as pessoas estão próximas de falir, de perder, e assim sair do jogo, por não suportarem a pressão dos milhões de olhos que se dirigem para eles — isso é um tempero que realmente confere um sabor espetacular para algo que, na realidade, é apenas uma imagem. Poder manipular o gozo e a falência iminente do outro, eis aí um dos princípios desse prazer narcisista de consumir o reflexo universal dos elementos particulares e mesquinhos do próprio cotidiano.

* Professor de Filosofia na Universidade Federal de Minas Gerais.

23 de fev. de 2012

Vida/Tempo
Viviane Mosé, Filósofa.

Quem tem olhos pra ver o tempo? 
Soprando sulcos na pele... soprando sulcos na pele. Soprando sulcos?

O tempo andou riscando meu rosto com uma navalha fina. Sem raiva nem rancor. O tempo riscou meu rosto com calma.
Eu parei de lutar contra o tempo.
Eu ando exercendo instante.
Acho que ganhei presença.
Acho que a vida anda passando a mão em mim. Acho que a vida anda passando. Acho que a vida anda. Em mim a vida anda. Acho que vida em mim. A vida em mim anda passando. Acho que a vida anda passando a mão em mim.

Por falar em sexo, quem anda me comendo é o tempo. Na verdade faz tempo, mas eu escondia porque ele me pegava à força, e por trás. 
Um dia resolvi encará-lo de frente e disse: Tempo, se você tem que me comer, que seja com o meu consentimento; e me olhando nos olhos. Acho que ganhei o tempo. De lá pra cá ele tem sido bom comigo. Dizem que ando até remoçando.

12 de fev. de 2012

Isso é a vida.

(...)

Quando conseguimos compreender a vida, já estamos dentro do turbilhão que nos remove a consciência e as entranhas do corpo e da alma a cada dia, cada hora, cada minuto, o tempo todo. Quando aprendemos mantermo-nos de pé neste turbilhão, o furacão emocional, adormecido pela razão, passa uma rasteira em nosso frágil equilíbrio. Quando acostumamo-nos às tonteiras das emoções e conseguimos equilibrar na corda bamba das paixões, pensamos (insanos) que estamos prontos para viver.

Ilusão.


Nunca aprendemos a viver, vivemos.
Nunca conhecemos o viver, vivemos.
Nunca sabemos o caminho, caminhamos.
Não é bom nem ruim. Simplesmente é. Um dia bem, um dia mal, um dia talvez, um dia “até quem sabe”.

É assim.

Se é que aprendi alguma coisa, aprendi que: Não é importante saber, é importante sentir. Para sentir a mim preciso do outro, das relações não rotuladas. O outro que é meu inferno e meu céu. O outro que é meu corpo e minha alma. O outro que me cativa e me distancia. O outro que odeio e que amo.

A vida não é quando. A vida não é como. A vida não é onde. A vida é quem. Quem sou com o outro. Quem sou comigo. Quem sou nos inesperados de cada momento. Quero que você se excite com minha alegria. Quero que você se arrepie com minha voz. Quero que você sonhe nos meus sonhos.
Mas também...
Quero que você escute meu silêncio. Quero que você me acolha na fraqueza. Quero que você enxugue minhas lágrimas (mesmo à distância). Quero que você sinta, nas palavras, nos e-mails, na minha presença, na minha ausência. Mas me sinta. Estou em toda parte do seu turbilhão chamado vida. Estou em todos os desequilíbrios de seus “inesperados”. Estou em cada molécula de oxigênio que você respira. Não vivo porque quero ser, vivo por que estou em você.

Cristina Angélica Silveira.

15 de jan. de 2012

Cegueira

Cegueira
by André Felipe Souza Cecílio

Um cego um dia
me ensinou a enxergar sem os olhos.
Porque os olhos nos dão um mundo pronto,
cuja luz é captada e interpretada
como mundo real.
E a luz é o supérfluo das coisas.

As mãos, a boca,
o nariz, os ouvidos
e até mesmo a intuição
nos dão um mundo mais repleto
e mais completo
do que apenas os olhos,
pois não nos dão mundo nenhum,
e, sim, potenciais de mundos plurais
a serem desenvolvidos .
E esse potencial deve ser trabalhado,
imaginado, interpretado,
como uma grande ideia
para que o mundo, plural,
seja enfim criado.

Essencialmente, o homem é cego.
Porém a lucidez da cegueira
é limitada a momentos curtos
como a infância ou os sonhos à noite.
Isso, quando ainda se sonha.
Ensinam os homens às crianças
que se deve enxergar bem os mundos.
Contudo, ensinam-nas a abrirem sempre os olhos.
Erro crasso.

Além da luz, a realidade
é bem mais ampla do que aquela
que reside na superficialidade material das coisas.
Entretanto é sutil, imperceptível
a olho nu. Para vê-la,
é preciso aprender a fechar bem os olhos.

A cegueira é uma virtude.
Maior, talvez, do que todas
as virtudes dos homens que enxergam com os olhos nus.
Pois o cego não é o aquele que não sabe enxergar,
mas, sim, aquele que  aprendeu a fazê-lo
diferente dos outros homens:
De maneira ativa.

* André Felipe Souza Cecílio é cronista, contista e poeta, músico, compositor
e autor do livro de poesias Conversa Com Versos, lançado em 2010.