3 de ago. de 2009

Olhos fechados e coração aberto

Sobre o filme Antes de Partir

Cleiton Renato Rezende

Jean Paul-Sartre concorda com Martin Heidegger, quando este afirma que, facticidade é o que caracteriza a existência como lançada no mundo, ou à mercê dos fatos, ou ao nível dos fatos e entregue aos seus determinismos.

Os personagens principais da obra cinematográfica intitulada Antes de partir são Edward Cole e Carter Chambers. Dois homens que descobrem que estão com câncer em estágio avançado e se conhecem. A facticidade fez com eles partilhassem o mesmo quarto de um hospital e, juntos, escrevessem uma lista de atividades que gostariam de realizar antes de morrer.
Carter é um modesto mecânico, casado, pai de três filhos e erudito. Edward Cole, um empresário bem sucedido que, se descasou inúmeras vezes, prepotente e que se mantém distante de sua única filha, além de lhe ser hostil.

Para Sartre o homem precisa, durante a sua vida, principalmente obrigado pela experiência de situações-limite, fazer-se humano no contato com a realidade real e concreta, tal qual lhe aparece e no contato com outros seres humanos.

Diante desta circunstância, é constatado no filme o movimento que os personagens fazem apesar de seus sofrimentos, diferença de raças e níveis sociais e econômicos.
A consciência da realidade (a doença terminal) faz surgir na dupla o sentimento de falta de sentido diante da existência. Ou seja, o absurdo do nascer, viver e morrer.
A princípio, eles não encontram nenhuma explicação racional que possa ajudá-los a se posicionar diante do fato concreto (câncer) e suas conseqüências.

Neste momento, as certezas construídas na vida dos dois personagens não lhes oferecem respostas prontas que lhes orientem diante da “nova” existência concreta. É a consciência implacável do absurdo da existência.

Com isso, analisando o filme à luz do existencialismo sartreano, percebemos a impotência do indivíduo diante do que lhe é determinado pela realidade concreta. E a constatação de que a vida não esta sob o controle de nenhum individuo. Ela é uma gratuidade, porque o existir apresenta problemas sem razão que o justifique.

No filme, de acordo com a lista, os personagens realizaram as seguintes ações: uma corrida automobilística; Cole fez uma tatuagem; ambos fizeram skydiving*; eles visitaram a capital francesa, a China (Himalaia) e contemplaram as pirâmides do Egito.
É possível apreender no decorrer do filme, momentos verbalizados e outros não, em que os personagens questionam-se sobre a morte e o morrer, o suicídio, a perda da consciência, o sentido da vida e Deus.

A médica e escritora Elisabeth Kübler-Ross narrou em seu livro Sobre a Morte e o Morrer (Editora Martins Fontes), os cinco estágios vividos pelos pacientes que a eminência da morte lhes causa, que são: negação e isolamento, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação. Estes cinco estágios são apresentados clara e objetivamente na convivência e diálogos entre os personagens.
Conforme a autora citada, “podemos ajudá-los a morrer, tentando ajudá-los a viver, em vez de deixar que vegetem de forma desumana”.

As reflexões demonstradas ou insinuadas para quem assiste ao filme mostram que é dentro de cada um deles que se encontra a referência necessária para as escolhas e atitudes diante da vida.
E também é possível inferir que a morte em si, não é triste, mas, triste é deixar de viver a vida, enquanto se está vivo.

Portanto, é na jornada e não no destino que existe a possibilidade do ser humano ser feliz, pois, durante o trajeto, não lhe é dado saber se irá chegar aonde deseja.
Com olhos fechados e corações abertos eles se foram: um concedeu que o outro vivesse e, este, que o outro aprendesse a viver.

* Salto de pára-quedas em que o aluno e o instrutor ficam presos um ao outro.

BIBLIOGRAFIA

HowStuffWorks - Brasil: Disponível em Acesso em 3 de Março de 2008.

ROSS-KÜBLER, Elisabeth. Sobre a Morte e o Morrer. 8 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

ROHMANN, Chris. O livro das idéias: um dicionário de teorias, conceitos, crenças e pensadores, que formam nossa visão de mundo. 5 ed. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2000, p. 424.

SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. 4 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1997.