17 de dez. de 2010

Desce quadrado e desanima

Desce quadrado e desanima

Extra! Extra!

Benett
Vocês que são brasileiros e “não desistem nunca”, continuem assim e não renunciem. Morram de trabalhar, pois, os seus representantes votaram a favor do aumento de salário dos parlamentares e do presidente. A proposta do reajuste de mais de 60%, eleva a atual remuneração de R$ 16,5 mil para R$ 26,7 mil, a partir de 2011. Sendo assim, você precisa morrer de trabalhar ou morre trabalhando ou trabalha pra morrer ou morre dando trabalho ou... chega. Por ora, é só.

Ora!

É interessante notar a data em que se votam certas coisas neste país. Exatamente a poucos dias do natal, anunciam a próxima decisão; ou será imposição? No momento em que a maioria dos brasileiros estão mais desatentos como de costume, gastando como nunca e pouco ou nada preocupados com o amanhã. Curiosa ocasião para se estabelecer alguma coisa, não acham?

Malandragem? Oportunismo?

Não descarto a primeira opção, mas, creio mesmo, que a época seja mais adequada, sabe o porquê? Bebida! É, muita bebida. Você mesmo aí, que está lendo isso e que foi obrigado a votar, tome nota: a falta de lucidez decorrente do consumo de álcool que nunca é moderado, é que te salva. Te salva e faz tão bem que, acabou de ser comprovado estatisticamente. Segundo o IBGE, os dados levantados pela Pesquisa de Orçamentos Familiares indicam que o brasileiro tem consumido menos arroz e feijão e mais cerveja.

Uma ultima coisa pra você anotar. E é grave.

A bebida não é e nunca foi determinante para a sua falta de lucidez, ela só piora, às vezes, o seu quadro. Sendo assim, procure ficar um pouco mais consciente de suas ações e trate, também, de se inteirar sobre o que os “seus” representantes andam aprontando. Quem sabe, se você estiver vivo e lúcido nas próximas eleições, possa votar em alguém que respeite o seu voto e, principalmente, o seu trabalho. Que respeite o fato de você existir.

Agora, se eu estiver vivo e esta pessoa que você votou atender aos requisitos acima, me chame pra tomar uma gelada.

Cleiton Rezende.



A imagem é criação do cartunista Benett. Disponível em [http://chargesbenett.wordpress.com]

15 de dez. de 2010

Fragmentos literários: O Mito de Sísifo

A Liberdade Absurda.

(...)

O que sei, o que é certo, o que não posso negar, o que não posso recusar, eis o que interessa. Posso negar tudo desta parte de mim que vive de nostalgias incertas, menos esse desejo de unidade, esse apetite de resolver, essa exigência de clareza e de coesão. Posso refutar tudo neste mundo que me rodeia, que me fere e me transporta, salvo o caos, o acaso-rei e a divina equivalência que nasce da anarquia. Não sei se este mundo tem um sentido que o ultrapassa. Mas sei que não conheço esse sentido e que por ora me é impossível conhecê-lo. O que significa para mim significação fora da minha condição? Eu só posso compreender em termos humanos. O que eu toco, o que me resiste, eis o que compreendo. E estas duas certezas, meu apetite pelo absoluto e pela unidade e a irredutibilidade deste mundo a um principio racional e razoável, sei também que não posso conciliá-las. Que outra verdade poderia reconhecer sem mentir, sem apresentar uma esperança que não tenho e que não significa nada nos limites da minha condição?
Se eu fosse uma árvore entre as árvores, gato entre os animais, a vida teria um sentido ou, antes, o problema não teria sentido porque eu faria parte desse mundo. Eu seria esse mundo ao qual me oponho agora com toda a minha consciência e com toda a minha exigência de familiaridade. Esta razão, tão irrisória, é a que me opõe a toda a criação. Não posso negá-la de uma penada. Por isso devo sustentar o que considero certo. (CAMUS, 2005, p.64,65)

CAMUS, Albert; tradução de Ari Roitman e Paulina Watch. O Mito de Sísifo. 2.ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.


[ Fragmentos comentados ]

- "Eu só posso compreender em termos humanos”.
É o que Nietzsche chamaria de Humano Demasiado Humano.

- "Se eu fosse uma árvore entre as árvores"...
Dizeres que me remetem à Náusea, de Sartre.


Ler Camus me faz bem!

12 de dez. de 2010

Fragmentos literários: Gula

O Clube dos Anjos

(...)

Memorável paella. Precedida de brindes com champanha ao Ramos e ao Abel e de vieiras com uma delicada musse de salmão. Estávamos todos eufóricos, apesar da morte do Abel. O primeiro jantar do Lucídio nos convencera que o Clube do Picadinho podia ser salvo pelo apetite, mesmo que não nos amássemos mais como antigamente e tivéssemos jogado fora as nossas vidas. Não se falou no Abel durante o jantar. Abel tinha sido restituído aos santos da sua família, nos cabia preservar o que ainda estava vivo entre nós, o que fora salvo do naufrágio. A nossa afinidade animal, a nossa fome em bando, desde o tempo em que roncávamos juntos, como porcos, ao mastigar o picadinho do Alberi. Só nos restara a fome em comum. Eu não parava de falar, mesmo com a boca cheia. André repetia que sentia sua mulher não estar ali, ela tinha sangue espanhol, o que não diria daquela paella diferente? Até o João dizer que cortar as mulheres dos jantares tinha sido uma grande decisão. Uma sábia decisão. As mulheres eram as responsáveis pelo nosso declínio. As mulheres tinham nos arrancado do paraíso, sem elas nossos rituais readquiriam sua pureza adolescente, éramos de novo os porcos contentes do bar do Alberi.

Quando Lucídio trouxe a segunda panela de paella com os grande bulbos de alho dispostos em círculo na borda, foi recebido com urros de reconhecimento. Ele era o responsável pela nossa ressurreição. André ainda tentou  protestar, sem muita convicção. A Bitinha merecia estar ali, ela que amava paellas, que era uma estudiosa de paellas. Seu protesto foi sepultado sob os nossos roncos ferozes. Eu lembrei o Discurso  do Cio que o Ramos fizera, na hora do conhaque, depois de um memorável jantar com trufas. Devemos as trufas e a civilização ao cio das fêmeas, dissera Ramos, erguendo seu copo e propondo um brinde às fêmeas e às suas glândulas. As trufas cheiravam a um hormônio do porco, e as porcas no cio as localizavam e desenterravam, freneticamente, atrás do amor.
"Em vez de um marido, encontraram uma espécie de nódulo vegetal, como acontece com muitas moças hoje em dia", dissera Ramos. As maravilhosas trufas que tínhamos comido eram o produto da frustração amorosa de porcas anônimas. Todo o prazer gastronômico era uma forma de cooptação do cio, segundo Ramos. Interrompemos um processo orgânico da planta ou do bicho para comê-los e gastamos a nossa própria voluptuosidade, o nosso cio desgarrado, no prazer de comer. (VERÍSSIMO, 1998, p.53,54)

VERÍSSIMO, Luis Fernando. O Clube dos Anjos - Gula. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998.

* Uma deliciosa opção!