31 de jul. de 2010

Afinal, qual o sentido da vida?

Flávio Gikovate*

Essa pergunta pressupõe que a vida tenha um sentido determinado e que cabe a nós descobrir qual é ele. Muitos pensadores e pessoas comuns concluiram que a vida humana não tem um sentido. Ela seria um "evento estúpido" que não vale a pena. E mais, além de não ter sentido, a vida é rica em dores e sofrimentos inúteis.
Na maioria das religiões, a falta de sentido, as dores e sofrimentos da vida levam ao desenvolvimento espiritual; esse sim, seria o verdadeiro sentido da vida. Mas não há como negar que esse "desenvolvimento espiritual", entendido como sendo a vida uma preparação para uma vida melhor num outro "plano", apaga a beleza da vida. Apesar de nos mostrar que somos capazes de tolerar os sofrimentos neste "nosso plano".
Mas, nem tudo neste pensamento religioso pode ser negado. Creio que um dos sentidos da vida está em conseguir partir daqui, um tanto melhor do que chegamos. É claro que a palavra "melhor"pode ser entendida com vários significados.
Vejamos:
Somos extremamente egoístas quando crianças. Amadurecer e evoluir, então, significa ser capaz de se colocar no lugar do outro. Por que? Porque quando nascemos e até determinada idade, somos incapazes de sobreviver sozinhos. Quer dizer, nascemos ignorantes e precisamos nos empenhar para conhecer a nós mesmos, às pessoas e ao mundo que nos cerca.

É imperativo que nos empenhemos em aprimorar nossa subjetividade e, a partir daí, aprender a conviver com as pessoas e com o ambiente que nos cerca.
Mesmo difícil de alcançar e, para algumas pessoas, quase impossível, o fato é que o desenvolvimento pessoal (quando conseguímos alcançá-lo) nos traz um enorme contentamento.
Se pensarmos que um dos sentidos da vida está relacionado com o crescente "orgulho íntimo" de nos sentirmos capazes para tarefas cada vez mais complexas, então poderemos ter aqui um ponto de convergência entre o pensamento religioso (onde as dores e sofrimentos da vida levam ao desenvolvimento) e o modo da filosofia e das ciências humanas de refletir.

Para a filosofia e as ciências humanas (especialmente a psicologia), o prazer que podemos usufruir durante a vida é suficiente para garantir o interesse em nosso desenvolvimento pessoal, mesmo tendo a certeza que a morte é o fim de tudo.

O sentido da vida é um projeto pessoal

Em vez de questionar as características da vida e de nos insurgir contra elas, deveríamos tratar de conhecê-las a fundo, adaptar-nos a elas e delas tirar o ponto de partida para a reflexão e um posicionamento melhor para cada uma de nossas ações.
É verdade que conviver com essas dúvidas originais sobre o sentido de nossa existência nesse planeta é doloroso e sombrio.
Por isso, em qualquer idade de nossas vidas, temos uma enorme tendência a "usar" nossas capacidades de raciocinar e refletir para imaginar (no sentido mais ingênuo possível: sonhar com uma realidade que, provavelmente não se tornará realidade concreta). Por isso, é preciso cautela ao usar nossa imaginação e não fugir da realidade que o dia-a-dia da vida nos oferece.

É evidente que, algumas vezes, a realidade pode até, coincidir com a nossa imaginação. Mas, acredite, são apenas algumas e raras vezes.
Então, se a realidade é menos "cor de rosa" do que gostaríamos que fosse, devemos nos guiar pelos fatos. É a partir de cada fato que, temos de construir o edifício de nossa vida. Procurar construir conhecimentos que possam, de maneira mais segura dirigir as nossas ações. Isto é, o fato de não existir um sentido determinado previamente para vida de cada um de nós, impõe que nós próprios devemos construir um. A vida não tem sentido algum; mas, não é proibido dar-lhe um.

* Este texto é uma adaptação para uma apostila de Filosofia. Refere-se aos capítulos 5-6, do livro "Os sentidos da Vida" de Flávio Gikovate, publicado pela editora Moderna, em 1998.

30 de jul. de 2010

Qual o sentido da vida?

Qual o sentido da vida?

Flávio Gikovate*

Não sabemos de onde viemos...

Apesar de a vida ter aspectos fascinantes e extremamente interessantes, ela se alicerça em algumas peculiaridades muito difíceis de ser toleradas. Uma dessas características diz respeito a uma curiosidade que começamos a ter lá pelos sete anos e que, como regra, jamais nos abandona. Quando entendemos mais as peculiaridades da vida, sentimos uma brutal angústia pelo fato de não sabermos exatamente de onde viemos nem para onde vamos.

Existem dúvidas enormes a respeito da origem da vida no planeta Terra; hipóteses religiosas e cientificas tentam dar explicações adequadas que apaziguem nosso espírito.

Nós não fomos civilizados para viver e conviver com a dúvida. Nossa razão busca explicações rápidas e, às vezes, pouco lógicas, que tentam nos acalmar sobre essa questão.
Existe um número apreciável de hipóteses religiosas que tentam explicar nossa origem; todas elas pressupõem a existência de um criador, uma divindade muito mais sábia e forte que nos gerou com algum intuito nem sempre muito claro e fácil de ser percebido. Essa é a teoria criacionista. Assim, somos "filhos" desse criador e temos que agir de acordo com os mandamentos que ele nos legou por meio dos seus porta-vozes, responsáveis pelos textos chamados "sagrados". Estes textos tratam de aspectos morais de nosso dia-a-dia, e, se seguíssemos essas ordens, seríamos elevados a uma posição bem mais próxima desse Deus.

Na hipótese científica, do ponto de vista materialista, o início da vida humana aconteceu por acaso. Por meio de reações químicas e processos biológicos que se sucederam ao longo de milhões de anos. A existência, ainda viva, no planeta de nossos ancestrais “confirmaria” a teoria evolucionista. No ponto de vista da ciência, houve uma seqüência evolutiva, culminando com a nossa aparição. Nessa forma de raciocinar não existe um criador. Os seres humanos na terra são apenas um produto final de uma série de coincidências.

Essa teoria foi incorporada pela maioria das pessoas que tiveram uma determinada educação escolar. Talvez uma explicação para adotarmos a teoria evolucionista, ao invés, da teoria criacionista, esteja no fato dela ser mais triste e mais difícil de ser tolerada. Isso porque, pensar que a hipótese mais amarga é a mais provável, testa nossa “capacidade” de viver com as dores das “falhas das racionalidades”. Acreditar na existência de um criador alivia a dor de não saber-mos exatamente de onde viemos; logo, essa hipótese passa a ser vista como menos provável. Lembre-se: “a vida nesse mundo é um vale de lágrimas”.
A rejeição pela teoria criacionista é reforçada pela análise dos textos sagrados, por exemplo: a Bíblia, o Alcorão, a Torá. Todos esses textos colocam Deus com características muito humanas, e isso é uma forte razão para as críticas da ciência.

A verdade é que nenhuma dessas duas teorias é consistente o suficiente para nelas acreditarmos, por isso, a pergunta “De onde viemos?” continua. Foi apenas desprezada e esquecida pelo mundo acadêmico, porque essa dúvida original da existência humana é muito penosa.
Acredito que: o “jogo da vida” nos oferece uma certeza indiscutível: não sabemos a nossa origem! Somos filhos da dúvida, somos filhos do mistério. Isso é triste apenas, num primeiro momento. Mas, num segundo momento, é fantástico, porque é a origem da nossa liberdade; nossa possibilidade e dever de escolha. É a certeza de que cada um de nós pode e deve determinar a rota de sua existência. Assim, vivemos numa aventura, numa empreitada onde tudo pode acontecer. Cada dia é “único”, especial e nele há sempre o espaço para o inesperado.

* Este texto é uma adaptação para uma apostila de Filosofia. Refere-se ao capítulo 5, do livro "Os sentidos da Vida" de Flávio Gikovate, publicado pela editora Moderna, em 1998.

29 de jul. de 2010

Filosofia Pré-Socrática

O texto abaixo é uma adaptação para uma apostila de Filosofia. Refere-se ao capítulo 4, do livro "O mundo de Sofia" de Jostein Gaarder, publicado pela editora Companhia das Letras, em 1995.

Os primeiros filósofos (os pré-socráticos), foram chamados "filósofos da natureza", porque se interessavam em saber seu funcionamento, seus processos e o porquê deles. E para responder, eles partiram do que já conheciam e podiam sentir (percepção → apreensão → compreensão). Todos eles partiram da seguinte certeza: "tudo o que existe não partiu do nada, pois o nada não existe".
O que instigava a esses pensadores era, por exemplo, saber se e como a água podia se transformar em peixes vivos, ou como a terra sem vida podia se transformar em árvores frondosas ou em lindas flores. E, o mais importante, como uma criança podia sair do corpo biológico da mãe.
Para todos eles havia uma certa "constância" nas transformações da natureza. O que eles procuravam era como essas transformações eram possíveis. Eles, então, achavam que deveria existir uma determinada "substância básica", que causava todas as transformações da natureza.
Então, podemos afirmar que o projeto dos pré-socráticos englobava questões relacionadas à substância básica por detrás das transformações ocorridas na natureza.
Para nós, hoje, não é muito importante saber quais as respostas dadas por cada um desses pensadores. O que deve nos interessar é porque, no século VI a.C., alguns seres humanos, mesmo vivendo numa sociedade mítica e politeísta, faziam esses tipos de perguntas e tentavam buscar respostas. Eles queriam entender os fenômenos naturais sem recorrer às explicações míticas.

Foi assim que a filosofia libertou-se da religião.
Por isso, é possível afirmar que os pré-socráticos deram os primeiros passos na direção de uma forma "científica" de pensar.
A maior parte do que eles escreveram foi perdido; ou queimado pela igreja nos séculos seguintes. Mas sabemos também, que Aristóteles reescreveu muito do que os pré-socráticos afirmavam além de acrescentar algumas de suas próprias verdades.
O primeiro pré-socrático foi Tales (que morava em Mileto: uma colônia grega na Ásia menor), que considerava a água a tal "substância básica" que dá origem a todas as coisas que existem. Não podemos afirmar, mas talvez, ele tenha imaginado a terra cheia de pequenos e invisíveis germens da vida.

Para Anaxímenes, também de Mileto, a água era o ar condensado. E, quando chove, o ar ficava tão "comprimido" que se transformaria em água novamente. E, se essa água transformada fosse mais comprimida ainda, transformar-se-ia em terra. E, finalmente, o fogo era o ar rarefeito. Então, temos que, para Anaxímenes, a terra, a água e o fogo surgiam do ar.
Anaximandro que também viveu em Mileto, achava que nosso mundo era apenas um dos muitos mundos que surgem de alguma coisa e se dissolvem nessa alguma coisa chamada infinito. Ele foi um dos poucos pré-socráticos que não imaginou a tal da "substância básica". Para ele, a criação que é finita, é resultado (antes e depois de seu aparecimento) de alguma coisa infinita. Ele foi humilde o suficiente para afirmar que o ser humano não tinha capacidade, nem inteligência e menos ainda, linguagem que pudesse definir esse "infinito".

Vários outros pré-socráticos surgiram depois de Tales, Anaxímenes e Anaximandro. Mas vamos apenas, citar um pouco da teoria daqueles que nos chamaram mais a atenção. O pré-socrático mais conhecido é Parmênides, que viveu em Eléia (sua da Itália) entre os anos 540 a 480 a.C. Para ele, tudo o que existe sempre existiu. Isso porque nada surge do nada. Mas ele discordava dos pré-socráticos de Mileto e muitos que escreveram antes dele. Ele foi diferente e, talvez, por isso, o mais interessante de ser estudado. Repito, literalmente, suas palavras: "Nada pode surgir do nada. E, nada que existe pode se transformar em nada".
Assim, ele considerava totalmente impossível qualquer transformação real das coisas. Nada pode se transformar em algo diferente do que já é.
É óbvio que Parmênides sabia e via as transformações que ocorriam nas coisas da natureza. Mas ele não conseguia harmonizar o que via com o que sua razão lhe dizia. E quando era forçado a decidir se confiava nos sentidos ou, na razão, decidia-se pela razão.

Então, são três as principais afirmações de Parmênides: 1ª) Qualquer mudança é só exterior; 2ª) A essência do ser é imutável e 3ª) O ser é o pensar.
Na mesma época de Parmênides viveu Heráclito, em Éfeso, na Ásia Menor. Para ele, as constantes transformações nos seres e na natureza eram justamente a característica mais fundamental da natureza. Tudo flui, dizia Heráclito. Tudo está em movimento e nada dura para sempre. Além disso, todas as coisas que existem no mundo têm o seu oposto. Por exemplo: doença/saúde; fome/comida; guerra/paz... Sem a constante interação entre os opostos, o mundo deixaria de existir. E, é a complementação (resultado dos opostos) que é a "substância básica" que dá origem ao todo. Deus, para ele, está no comando de todas as transformações que podemos perceber com nossos sentidos humanos nas coisas da natureza e nos seres humanos.
Podemos dizer que Heráclito e Parmênides são os filósofos pré-socráticos que, nas suas teorias, mais se confrontam.

Mas, depois deles, veio Empédocles, que afirmava que aqueles dois pensadores tinham mostrado ao mundo, que não existia uma "substância básica" inquestionável da qual é originado tudo o que existe. Para Empédocles, o abismo entre o que nossa razão nos diz e que nossos sentidos percebe é intransponível. Empédocles chegou à conclusão de que a noção de "substância básica", tirado de um dos quatro elementos (água, ar, fogo e terra) não existe. Esses elementos são, como ele afirmava, apenas raízes do que existe na natureza. Mas eles (apesar de qualquer transformação) continuam a ser o que são. Portanto, não é certo dizer que tudo muda. Basicamente, nada se altera. O que acontece é que esses quatro elementos se combinam e depois voltam a se separar para então combinarem novamente. Para Empédocles o que une as coisas é o amor e o que as separa é a disputa.

Ele também afirmava (e isso vale até hoje) que é preciso diferenciar entre o elemento e a força que faz esse elemento agir. Sabemos que a ciência moderna acredita poder explicar todos os processos da natureza, através da interação entre os diferentes elementos e algumas poucas forças naturais que os movimentam.
Enfim, todos os filósofos pré-socráticos tentaram fazer uma cosmologia em contraposição à cosmogonia feita pela mitologia grega.

Lembrando:

Cosmogonia = "COSMOS" = ordem da natureza ou do universo.
"GONIA" = Nascimento (Para os gregos daquela época, nascimento era, sempre, obra de algum deus).

Cosmologia = "COSMOS" = ordem da natureza ou do universo.
"LOGIA" = Explicação dada pela razão (percepção → apreensão → compreensão).

27 de jul. de 2010

Hospital Psiquiátrico de Barbacena/MG

Fotos do Hospital Psiquiátrico de Barbacena/MG

Material cirúrgico utilizado pelos alienistas para "conter" os alienados.

"Antes que você torça o nariz e sinta náuseas diante destas falas grotescas e corpos arruinados pelos hospícios e pela vida, saiba que pelo avesso, elas falam de beleza, saúde, alegria, bem estar e esperança. Compare-se a estas pessoas (sim, são pessoas, membros de nossa espécie homo-sapiens, gerados em ventres humanos) e, descubra que sua ocasional infelicidade é insignificante, que sua ligeira depressão é frescura, que suas rugas são lindas e que o mundo chato em que você vive é o paraíso. Estes infelizes existem para lembrá-lo que sua felicidade é mais real do que você imagina. Sinta-se igual a eles. Você é apenas o outro lado da moeda".
(Edson Brandão)

26 de jul. de 2010

Temporalidade e Tempo

DIMENSÃO DA HISTORICIDADE NO SER HUMANO

Essência da História Individual de cada Ser Humano

- Cada um tem sua história e faz sua própria história.
- Cada um terá seu fim. O homem é um "ser-para-a-morte".
- Cada um quer justificar sua vida, dar-lhe sentido.
- A maioria quer assumir o sentido de sua vida.
- Cada história individual faz parte da história coletiva.
- Tomar consciência de si próprio depende da consciência da história universal.

1) TEMPORALIDADE E TEMPO

- Cada indivíduo deve percorrer, num processo irreversível, as fases de sua vida.
- O modo de ser homem é a sucessão de momentos aonde suas chances e dificuldades apresentam-se diferentes em cada uma das fases de sua vida.

O que é Temporalidade?

- Sucessão das várias fases da vida.
- A temporalidade NÃO se confunde como Tempo.
- A temporalidade é uma característica do Indivíduo consciente de sua mortalidade.
- É a temporalidade que determina para o indivíduo que:
  Cada uma de suas ações e decisões não podem ser retrocedidas.

O que é Tempo?

- É a medida do movimento segundo o "antes" e o "depois". (Aristóteles - 384 - 322 a.C.)
- O tempo é um conceito subjetivo criado pela sociedade humana, para explicar a base das transformações da sociedade. (Kant - 1724 - 1804)

Tempo é um conceito.

Tipos conceituais de Tempo:

1) Tempo Físico:
- É a sucessão de instantes (segundos, minutos, horas, dias etc).
- É retilíneo, contínuo e regular.
- Nele, só presente é real.
- Representado na mitologia grega por "Cronos", que devora seus próprios filhos.
Obs.:Não é o tempo da Física Quântica.

2) Tempo Circular:
- Nietzsche: "O eterno retorno".
- A realidade humana não tem começo nem fim. Tudo volta a se repetir de tempos em tempos. (Este conceito não tem adeptos na filosofia nem na ciência)

3) Tempo Sagrado:
- O tempo é linear, tem começo na criação do planeta terra por Deus e terá seu final na consumação dos tempos (Juízo Final).
- O tempo sagrado é repetível e recuperável, como por exemplo: arrependimento.

4) Tempo Vivencial:
- É o tempo subjetivo, é o tempo de cada um, de acordo com suas emoções e sentimentos.
- Não se relaciona em nada com a marcha objetiva do tempo.

5) Tempo Antropológico:
- É tridimensional: "Agora", "Antes" e "Depois".
- É o tempo físico enquanto está na consciência.
- Envolve a consciência do ser humano de seu corpo e seu espírito.

Santo Agostinho:
O presente é a passagem do "ainda não" para o "não mais".
O passado é diferente do presente e do futuro, mas não existe sem eles.
A consciência / alma / espírito tem uma duração que transcende o presente.

- O tempo antropológico é a conexão do presente com o passado e o futuro.
- O tempo antropológico é a ESTRUTURA FUNDAMENTAL da existência humana.

2) HISTORICIDADE

- A historicidade é o tempo antropológico (Tridimensional) com o conteúdo das histórias individuais e da coletividade (Sociedades).
- A historicidade tem como objetivo a auto-realização do ser humano.
- A auto-realização pressupõe a liberdade, só que ela é finita.
- O ser humano está "esticado" entre o passado e o futuro.
- Seu PRESENTE É, FOI e SERÁ.
- Na historicidade, o passado não pode ser mudado, embora continue agindo sobre o presente, seja como capacidades adquiridas seja como recalques, falhas, culpas etc.
- O passado só poderá ser modificado no seu sentido para minha consciência através de duas possibilidades: psicoterapia ou decisão própria de assumir responsabilidade (aprender com os erros).
- O futuro é aberto, porque depende da liberdade de escolha.

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O HOMEM É UM SER TEMPORAL E HISTÓRICO EM TODAS AS SUAS AÇÕES
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1) Percepção dos sentidos humanos:
- A percepção é mediada pelo tempo. Quando tomamos consciência da percepção de uma determinada realidade, esta realidade já se modificou.
- Nossa percepção é também tridimensional, nossa mente constrói o passado e futuro da percepção presente.
- De percepções parciais criamos mentalmente a percepção total de uma realidade.

2) As decisões humanas:
- Decidir é resolver problemas do "antes" (passado) no "agora" (presente) para que este problema não atrapalhe o "depois" (futuro).

3) Hábitos humanos:
- Hábito é uma facilidade nas ações do presente, que adquirimos no passado.
- Qualquer ação humana pode tornar-se hábito, ser padronizada.
- A antropologia considera os hábitos um tipo de progresso humano, porque ele (os hábitos) dispensa o cérebro do esforço de decidir.

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A HISTORICIDADE HUMANA É UMA TENSÃO PARA CADA INDIVÍDUO, QUE O ATORMENTA PERMANENTEMENTE.
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A constituição da vida humana resume-se no mundo (real) associado ao tempo. A vida humana está em algum lugar entre o pré-dado (antes), mas que continua agindo encurtando o tempo presente (agora) e entre a pre-ocupação com um futuro aberto (depois).
A historicidade é uma tensão entre liberdade e determinação. Nem tudo que se pode fazer na vida, pode ser feito agora. Mas é preciso agilidade de pensamento e visão de conjunto para compreender as situações individuais e as situações sociais que precisam da ação no agora e as que podem retornar mesmo diferentes de alguma forma.

3) A CONSCIÊNCIA HISTÓRICA

- A história como realidade é o ser dos fatos, o movimento real da humanidade através dos tempos.
- A história como ciência é o conhecimento metódico e crítico das interpretações que os fatos "ganharam" e a relação entre eles.
- A história é a realidade compreendida como sequência de transformações das condições da vida humana e como estas transformações são interpretadas e reinterpretadas através dos tempos.

Postura da consciência humana em relação à história:

a) Consciência historiadora:
- Análise cientificamente "objetiva" do passado, "sem" julgamentos de valores éticos, raciais, religiosos, econômicos etc.
- O passado é PASSADO.
- O passado é, apenas, um objeto de estudo.

b) Consciência histórica:
- Análise do passado a partir de quem faz esta análise.
- Quem analisa o passado sabe-se parte dele, atingido por ele e, envolvido com os homens que viverem naquele passado.
- Quem analisa sente que é participante do passado histórico da humanidade.
- Tem um sentido global das várias concepções de homem em várias épocas diferentes do passado.
- Tem um sentido espiritual (de consciência individual) que orienta a vida de cada pessoa em seu presente.


Cont...


BIBLIOGRAFIA

RABUSKE, Edvino A. Antropologia filosófica: um estudo sistemático. 10.ed Petrópolis: Vozes, 1986. p.158-172.

25 de jul. de 2010

"Atmosfera" de alerta.

(...) Sem memória e sem esperança, instalavam-se no presente. Na verdade, tudo se tornava presente para eles. A peste, é preciso que se diga, tirara a todos o poder do amor e até mesmo da amizade. Porque o amor exige um pouco de futuro e para nós só havia instantes.

É claro que nada disto era absoluto. Pois se é verdade que todos os separados chegaram a esse estado, é justo acrescentar que não chegaram todos ao mesmo tempo e que, da mesma forma, uma vez instalados nessa nova atitude, lampejos, retrocessos, bruscos estados de lucidez levavam os pacientes a uma sensibilidade mais nova e mais dolorosa. Eram necessários para isso momentos de distração, em que eles formavam algum projeto que implicava o fim da peste. Era preciso que eles sentissem, inopinadamente e por efeito de alguma graça, a mordida de um ciúme sem objeto. Outros encontravam também renascimentos súbitos, saíam do seu torpor em certos dias da semana, no domingo, naturalmente, e aos sábados à tarde, porque esses dias eram consagrados a certos ritos, do tempo do ausente. Ou, então, uma certa melancolia que os invadia ao fim da tarde dava-lhes o aviso, alias nem sempre confirmado, de que a memória ia voltar. Essa hora da tarde, que para os crentes é a do exame de consciência, é dura para o prisioneiro ou o exilado que só pode examinar o vácuo. Ela mantinha-os suspensos por um momento; depois, voltavam à atonia, encerravam-se na peste.

Já se compreendeu que isso consistia em renunciarem ao que tinham de mais pessoal. Ao passo que nos primeiros tempos da peste eles se surpreendiam com a quantidade de pequenas coisas que contavam muito para eles, sem terem qualquer existência para os outros, e faziam assim a experiência da vida pessoal, agora, pelo contrário, só se interessavam por aquilo que interessava aos outros, já não tinham senão idéias gerais e o seu próprio amor assumira para eles a forma mais abstrata. Estavam a tal ponto abandonados à peste que lhes acontecia às vezes só desejarem o sono e surpreenderem-se a pensar: “Que venham logo os tumores e se acabe com isto!” Mas, na realidade, já estavam dormindo e todo este tempo não foi mais que um longo sono. A cidade estava povoada por sonolentos acordados que só escapavam realmente ao seu destino nos raros momentos em que, de noite, a sua ferida aparentemente fechada se reabria bruscamente. E, despertados em sobressalto, apalpavam então, distraídos, os bordos irritados dessa ferida, redescobrindo num lampejo o seu sofrimento, subitamente rejuvenescido e, com ele, a imagem perturbada do seu amor. De manhã, voltavam ao flagelo, quer dizer, à rotina. (CAMUS, 2004, p. 161-162)

(...)

CAMUS, Albert. A Peste. Tradução: Valerie Rumjanek. 15.ed. Rio de Janeiro: Record, 2004


(+) Dica: Existe uma dissertação de mestrado com o título: O SENTIDO DO EXÍLIO EM LA PESTE DE ALBERT CAMUS, disponível na internet. A autora se chama Cristianne Aparecida Lameirinha  -  São Paulo, Dezembro de 2006.