20 de jun. de 2011

Foi mal

Foi mal
Regina Teixeira da Costa

Um amigo disse, em tom de brincadeira, e se toda brincadeira traz um fundo de verdade, consideremos: “Depois da expressão ‘foi mal’, ninguém mais arca com nada. Basta dizer: foi mal”. O que se pode fazer quando alguém estraga seu sofá, quebra seu copo, seu jarro preferido e não pode ressarcir você?
Podemos nos perguntar se o foi mal já não seria um pedido de desculpas, uma admissão da responsabilidade. Mas foi mal como se não fosse nada é simplesmente duro de engolir. Aliás, pode virar uma indigestão o tanto de coisas que precisamos relevar nas nossas convivências. Responsabilidades incluem as consequências do ato, seja ele de que natureza for. Mas quem quer saber disso?

Somente a constatação do erro, em algumas famílias, redime. Melhor seria uma conversa séria, coisa difícil, pois as pessoas não suportam críticas, não gostam de repreensões e o colocam como “o chato”. Fogem do assunto, escorregam, desviam quando a conversa não vai para o lado que agrada. Aliás, é próprio da nossa sociedade gratificar demais, promover muita felicidade, muita diversão e preparar mal os filhos para a frustração.
Desse modo, temos adultos infantilizados, adolescentes de até os 30 anos ou mais, com preguiça de amadurecer como sinônimo de aborrecimento, incluindo assumir perdas até então desnecessárias. Nestes tempos de promoção da felicidade, nem sempre os filhos aceitam repreensões, tampouco desejam independência. Uma incoerência e tanto! Acham desaforo ser cerceados!

Educar é um ato de amor. Ensinar a assumir o feito, reparar, se desculpar é a melhor saída, sem dúvida. Mesmo que sejam considerados caretas, chatos, é preciso fazê-lo. Nem sempre podemos apenas agradar. Ter medo de contrariá-los é fugir da árdua tarefa impossível de educar.
Relacionamentos familiares, por mais que desejemos que sejam leves e fáceis, sempre são custosos e precisam de perícia e habilidade. Algo que nem sempre acompanha nossa pouca sabedoria. O problema da educação ocorre em toda família. Tudo que uma mãe e um pai façam, por mais perfeito ou imperfeito, sempre apresentará falhas. Não há como não errar, quando o quesito é educação. Confiança nos pais e no diálogo como solução de conflitos é um passo.
A violência física na educação tem sido bastante discutida e enquadrada em leis cada vez mais restritivas. De fato é ineficaz, produz medo, covardia, agressividade. Há projetos de lei a serem aprovados proibindo o castigo físico na educação, desde a palmada até o beliscão. As leis também protegem os adolescentes infratores de penas muito duras, criando as leis alternativas, com intenção de reinserção social.
Como tudo na vida tem furos, muitos adolescentes marginalizados se aproveitam dessa proteção, assumindo crimes dos parceiros mais velhos, sabendo de antemão que são protegidos pela lei. Nunca conseguiremos atingir a perfeição, nem uma vida social ideal, pois sempre são abertas brechas que escapam de toda previsão.

O real é inapreensível na totalidade, então sempre haverá necessidade de dialogar sobre o que surge, o novo, o acaso. Quando a lei alcança uma vitória, o homem consegue inventar maneiras de escapar. Submeter-se à lei exige sacrifícios de toda natureza. Ela frustra satisfações desmedidas nos exigindo limites. Se por um lado nem todas as famílias conseguem transmitir essa lei a troco do amor, por outro, nem todos os filhos acolhem as suas exigências ou se submetem a elas.
E a lei se transmite pela palavra. Somos sustentados pelo discurso; quando nos apropriamos dele já estamos entrando no jogo da vida social, da inclusão do outro, da convivência. Por isso mesmo, dialogar desde cedo com os filhos sem deixar de ocupar o lugar de autoridade é estruturar os filhos para a vida.

Quando se educa é preciso um olhar e uma escuta que possibilitem entender a subjetividade do filho e acolher suas dificuldades, e não apenas se livrar de seus problemas. Esse é um problema de muitas famílias que não entendem que o sintoma do filho foi feito em família e deve ser acolhido e cuidado. Só assim a responsabilidade compartilhada permitirá suportar eticamente esse sintoma. Mas, para isso, é preciso reconhecer o foi mal.

Publicado no jornal Estado de Minas, edição de 19/06/2011. Fonte: UAI