17 de set. de 2011

vinte e quatro de Março

Com a licença de todos, um post pessoal hoje.
Em memória de José Cecílio dos Santos.

André Felipe Souza Cecílio*


Naquela noite, eu dormi.
Sonhei com a alegria,
Os sorrisos e as brincadeiras,
Sua voz, abraços e conversas.
Vi seus olhos, e eles me viam
E sorriam,

Mas acordei e vi que ainda era noite.
Os sorrisos já não estavam ali,
A voz, os abraços, conversas e alegrias
Eram apenas ecos que soavam do passado,
De quando o sol ainda brilhava
E a vida parecia não ter fim.
Olhei para os olhos,
Mas estes já não me viam.
Nem sorriam.

Já era noite,
O cansaço tomou conta de ti,
Então você dormiu.
Dormiu e subiu até onde
Seus sonhos e sua vida o levaram,
E junto à lua você foi morar,
Presenteando-a com seu brilho.
Enquanto subia, deixava para trás
Os sorrisos, os olhares e os amores
Em forma de canção, gravada eternamente
Em nossos corações e pensamentos.

Ah, a vida...
“Não vale a pena e a dor de ser vivida”.
A lembrança do seu olhar,
O peso do fardo em nossas costas,
O cansaço.
Desejo de dormir...
Dormir e ter uma nova oportunidade
De olhar em seus olhos
E eles me verem.


"Estavam todos dormindo
estavam todos cansados.
Dormindo
Profundamente." (Manuel Bandeira)


* André Felipe Souza Cecílio é cronista, contista e poeta, músico, compositor
e autor do livro de poesias Conversa Com Versos, lançado em 2010.

20 de jun. de 2011

Foi mal

Foi mal
Regina Teixeira da Costa

Um amigo disse, em tom de brincadeira, e se toda brincadeira traz um fundo de verdade, consideremos: “Depois da expressão ‘foi mal’, ninguém mais arca com nada. Basta dizer: foi mal”. O que se pode fazer quando alguém estraga seu sofá, quebra seu copo, seu jarro preferido e não pode ressarcir você?
Podemos nos perguntar se o foi mal já não seria um pedido de desculpas, uma admissão da responsabilidade. Mas foi mal como se não fosse nada é simplesmente duro de engolir. Aliás, pode virar uma indigestão o tanto de coisas que precisamos relevar nas nossas convivências. Responsabilidades incluem as consequências do ato, seja ele de que natureza for. Mas quem quer saber disso?

Somente a constatação do erro, em algumas famílias, redime. Melhor seria uma conversa séria, coisa difícil, pois as pessoas não suportam críticas, não gostam de repreensões e o colocam como “o chato”. Fogem do assunto, escorregam, desviam quando a conversa não vai para o lado que agrada. Aliás, é próprio da nossa sociedade gratificar demais, promover muita felicidade, muita diversão e preparar mal os filhos para a frustração.
Desse modo, temos adultos infantilizados, adolescentes de até os 30 anos ou mais, com preguiça de amadurecer como sinônimo de aborrecimento, incluindo assumir perdas até então desnecessárias. Nestes tempos de promoção da felicidade, nem sempre os filhos aceitam repreensões, tampouco desejam independência. Uma incoerência e tanto! Acham desaforo ser cerceados!

Educar é um ato de amor. Ensinar a assumir o feito, reparar, se desculpar é a melhor saída, sem dúvida. Mesmo que sejam considerados caretas, chatos, é preciso fazê-lo. Nem sempre podemos apenas agradar. Ter medo de contrariá-los é fugir da árdua tarefa impossível de educar.
Relacionamentos familiares, por mais que desejemos que sejam leves e fáceis, sempre são custosos e precisam de perícia e habilidade. Algo que nem sempre acompanha nossa pouca sabedoria. O problema da educação ocorre em toda família. Tudo que uma mãe e um pai façam, por mais perfeito ou imperfeito, sempre apresentará falhas. Não há como não errar, quando o quesito é educação. Confiança nos pais e no diálogo como solução de conflitos é um passo.
A violência física na educação tem sido bastante discutida e enquadrada em leis cada vez mais restritivas. De fato é ineficaz, produz medo, covardia, agressividade. Há projetos de lei a serem aprovados proibindo o castigo físico na educação, desde a palmada até o beliscão. As leis também protegem os adolescentes infratores de penas muito duras, criando as leis alternativas, com intenção de reinserção social.
Como tudo na vida tem furos, muitos adolescentes marginalizados se aproveitam dessa proteção, assumindo crimes dos parceiros mais velhos, sabendo de antemão que são protegidos pela lei. Nunca conseguiremos atingir a perfeição, nem uma vida social ideal, pois sempre são abertas brechas que escapam de toda previsão.

O real é inapreensível na totalidade, então sempre haverá necessidade de dialogar sobre o que surge, o novo, o acaso. Quando a lei alcança uma vitória, o homem consegue inventar maneiras de escapar. Submeter-se à lei exige sacrifícios de toda natureza. Ela frustra satisfações desmedidas nos exigindo limites. Se por um lado nem todas as famílias conseguem transmitir essa lei a troco do amor, por outro, nem todos os filhos acolhem as suas exigências ou se submetem a elas.
E a lei se transmite pela palavra. Somos sustentados pelo discurso; quando nos apropriamos dele já estamos entrando no jogo da vida social, da inclusão do outro, da convivência. Por isso mesmo, dialogar desde cedo com os filhos sem deixar de ocupar o lugar de autoridade é estruturar os filhos para a vida.

Quando se educa é preciso um olhar e uma escuta que possibilitem entender a subjetividade do filho e acolher suas dificuldades, e não apenas se livrar de seus problemas. Esse é um problema de muitas famílias que não entendem que o sintoma do filho foi feito em família e deve ser acolhido e cuidado. Só assim a responsabilidade compartilhada permitirá suportar eticamente esse sintoma. Mas, para isso, é preciso reconhecer o foi mal.

Publicado no jornal Estado de Minas, edição de 19/06/2011. Fonte: UAI

1 de mai. de 2011

(...) para que possamos ser pessoas melhores.

2º Projeto Sustentar Passionista do Colégio São Paulo da Cruz

Alunos do 7º ano do Colégio São Paulo da Cruz

Alunos, professores, pais e toda a comunidade escolar do Colégio São Paulo da Cruz empunharam a bandeira da sustentabilidade, neste sábado, dia 30 de abril, durante o 2º Projeto Sustentar Passionista. Foi montada uma exposição com vários trabalhos baseados na Campanha da Fraternidade deste ano, cujo tema é "Fraternidade e a Vida no Planeta" e o lema "A criação geme em dores de parto". Por meio de tapetes de papel, jogos e painéis construídos com material reciclável, além de palestras, exibição de vídeos e oficinas, a Exposição mostrou ao grande número de pais, familiares e convidados
que compareceram, a necessidade de mudar nossos hábitos para que a vida no planeta seja preservada.

No 7º ano – Ensino Fundamental, Cleiton Rezende, professor de Filosofia, apresentou ao público um trecho do filme "A Corrente do Bem", no qual é tratada a questão de pensar práticas que tornem o mundo melhor. Em vista disso, solicitou que a platéia escrevesse suas ideias num pedaço de papel. Matheus Vinícius, 7º ano, refletiu e disse que poderia agir dentro de sua própria casa. "Gosto muito de lavar o carro do meu pai e nós usamos sempre a mangueira. Vou dizer a ele para usarmos apenas um balde com água, para economizarmos", revela.

- Matéria integral disponível em http://www.saopaulodacruz.net/ -

Texto de Alexandre Almeida, Jornalista do Colégio.

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O fragmento da obra cinematográfica "A Corrente do Bem" que apresentei aos jovens está logo no princípio do filme e mostrou as seguintes informações:


Falas do Professor Sr. Simonet (Kevin Spacey) em sala de aula.

- Esta é a aula de Estudos Sociais, que engloba VOCÊS e o MUNDO.

- Pois é... há um mundo lá fora e, mesmo que não queiram enfrentá-lo, vocês vão senti-lo como um tapa na cara. Podem confiar. Então é melhor começar a pensar no que ele (o mundo) significa pra VOCÊ agora.

- O que o mundo significa para VOCÊS?

- Vamos lá, quero que participem. É só desta classe que querem sair? De suas casas e de suas ruas? Ou alguém quer ir mais longe? Diga. Vocês pensam em coisas que acontecem fora desta cidade? Assistem ao noticiário? SIM? NÃO?

- Vocês são PENSADORES GLOBAIS?

- O que o mundo quer de VOCÊ? De NÓS?

- Mas e se quando forem livres, não estiverem preparados, prontos e, ao olharem para o mundo não gostarem do que vêem? E se for uma grande decepção?

TER UMA IDÉIA PARA MUDAR O
MUNDO E COLOCÁ-LA EM PRÁTICA.

É POSSÍVEL!

E como resultado da atividade, obtive os seguintes depoimentos, entre outros:

(Esther Fernandes - 7º BR) "O mundo para mim significa amor, amizade; na verdade, nós somos o mundo, e, para nós melhorarmos o mundo, podemos economizar água. Nós devemos pensar no mundo, afinal, é o nosso "habitat" e devemos ajudar! Não jogar papel nas ruas, também, pode ser uma ótima atitude que tomamos para melhorar o NOSSO MUNDO!"

(Bárbara Fonseca - 7º BR) "O mundo quer que eu e outras pessoas não fiquemos somente pensando, mas que coloquemos nossas idéias em prática, nossas ações podem mudar o mundo, haverá decepções mas, a decepção será maior se não AGIRMOS!"

(Ana Carolina - 7º BM) "Para mim o mundo significa muita coisa, pois é nele que vivemos. Eu sou uma pensadora global, pois assisto alguns jornais, e gosto um pouco. Uma possível idéia é espalhar a alegria no mundo. Se a vida lá fora for uma decepção, ficarei chateada, mas de cabeça erguida".

(Ana Clara Dias - 7º BR) "Eu acho que podemos mudar o mundo em que vivemos com pequenas ações, como ajudar o próximo, ser solidário. São essas pequenas ações que podem mudar o mundo. O mundo mesmo que agente não queira vai nos decepcionar. E muitas vezes, essa decepção vai vir de uma pessoa que gostamos muito mas, no fundo, ela só está tentando nos ajudar para que possamos ser pessoas melhores".

(Débora Silva - 7º BA) "Ajudai uns aos outros pois, mesmo que demore um pouco, será recompensado".

(Bárbara - 7º BA) "Conscientizar as pessoas a ajudar a todos, conhecendo ou não. Mostrar a verdadeira importância das pessoas e do mundo. Até porque não é o mundo que precisa de nós, nós precisamos dele!"

(Yasmin - 7º BR) "Ajudar mais, não só a família mas, também, as pessoas que não conheço, os idosos, as pessoas com deficiência, os moradores de rua e distribuir alimentos em abrigos e asilos. Acabar com a violência nas ruas, acabar com o "bullying" nas escolas e com a poluição nas ruas".

(Gabriel - 7º BR) "Eu sou um pensador global. Às vezes eu tenho a percepção do que eu faço aqui pode ter graves consequencias em outro lugar totalmente distante de onde vivo. Se a minha liberdade acabar sendo uma grande decepção, o jeito é começar de novo e seguir em frente".

26 de abr. de 2011

Reflexão Filosófica sobre as Religiões no Mundo Contemporâneo

Reflexão Filosófica sobre as Religiões
no Mundo Contemporâneo
(Apresentação feita em Power Point)

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- Slide 1 -

  1. Socialização Contemporânea (Internalização)
  2. A Infalibilidade das Ciências
  3. A importância das informações pragmáticas em detrimento dos conhecimentos reflexivos
  4. A supremacia do "ter"
  5. Globalização

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- Slide 2 -

Consciência Humana sobre a Temporalidade da Existência

De onde viemos?
Para onde vamos?

Teorias Científicas: - EVOLUCIONISMO: A Idéia de Fim
Teorias Religiosas:  - CRIACIONISMO: A Idéia de continuidade de alguma forma de vida

Ambas são inconsistentes e inconclusivas!
Angústia pela fragilidade da existência!

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- Slide 3 -

Quando nos encontramos?
- Nas "situações limites" da existência;
- Quando não atingimos um lugar de destaque na hierarquia dos valores globalizados.

Onde buscamos soluções e amparo?
- Nos dogmas das instituições religiosas;
- Na consciência reflexiva e na tentativa de compreender racionalmente a necessidade do sentimento de religiosidade em nossa vida.

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- Slide 4 -

A RELIGIÃO:

- Instituição formal com regras de comportamentos baseadas nos dogmas e rituais estabelecidos.
- Apareceram quando o paganismo do império romano estava em decadência e se sustentava apenas pelos interesses pessoais do poder político e econômico estabelecido.
- Cada uma assume sua interpretação das palavras de Cristo (alegorias, figuras de linguagem e parábolas) como VERDADE única e definitiva.
- Provocaram as guerras religiosas, que foram as mais cruéis e fizeram mais vítimas do que as guerras políticas.
- A responsabilidade por esses fatos não está nas palavras e atitudes do Cristo, mas nas equivocadas interpretações, que fizeram delas um instrumento de paixão e poder.
- Combater egoísmo, o orgulho, a ambição, a cobiça e, principalmente, o fanatismo foram os principais ensinamentos do Cristo.
- Estes princípios impedem o exercício do poder do homem sobre o homem e a prática da exploração e da tortura.

PRESSUPÕE QUE O INDIVÍDUO TENHA:
Consciência Ingênua e Fé cega

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- Slide 5 -

A RELIGIOSIDADE:

- Sentimento de falta presente em todo ser humano em função do não saber o sentido da própria vida.
- Aparece quando as estruturas de poder abrem espaço para o despertar da racionalidade que constrói a individualidade.
- Só é publicamente admitida, após as duas grandes guerras. Provocam nos indivíduos das sociedades mais desenvolvidas um questionamento do Deus bom que recompensa quem segue os dogmas estabelecidos pelas religiões.
- Equívoco histórico: Entre os anos 60 a 90 foram fundadas seitas alternativas que confundiam a religiosidade com a luta contra o autoritarismo e os abusos do capitalismo.
- Mas o sentimento de religiosidade e, sua prática INDIVIDUAL está necessariamente associado ao conhecimento histórico, científico e filosófico.
- A religiosidade impõe a compreensão de que todos os conhecimentos humanos precisam ser vividos de maneira interativa.
- Todos os conhecimentos deveriam ter os mesmos objetivos: a melhoria da qualidade de vida, a busca de um sentido para a existência e das relações humanas.
- Religiosidade: sentimento de religar-se àquilo do qual fazíamos parte antes de nascer.


PRESSUPÕE QUE O INDIVÍDUO TENHA:
Consciência Crítica e Fé raciocinada

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- Slide 6 -

A FÉ RACIOCINADA:

Pressupõe a certeza de que somos parte de alguma "coisa maior", que transcende à vida. Eu sou parte dessa "coisa". Meu destino é voltar á essa "coisa".  Essa "coisa" geralmente é denominada DEUS. Por que podemos voltar a Deus? Porque temos a parte dele em nós como diretriz. Essa parte é a capacidade de praticar o amor. Fé implica em ação.

É a vontade de voltar ao pai (deus) que:
- Fortalece a fé;
- Leva à consciência dos próprios limites e defeitos.

Como se preparar para voltar ao pai (deus):
- Instruindo-se: A instrução raciocinada oferece diretrizes da ação humana.
- Fortalecendo a própria fé: As ações do dia a dia devem ser baseadas na vontade de querer ser um ser humano melhor.

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- Slide 7 -

REFERÊNCIAS:


O Atlas das Religiões
Subtítulo: O Mapeamento Completo de Todas as Crenças
Autor: Joanne O’Brien e Martin Palmer
Editora: Publifolha
Edição: 1a. ed., 2008
Idioma: Português


DVD: História das Religiões
(Disco 1)
Catolicismo; Religiões de pequenas sociedades;
Religiões nativas da América; Africanos e Afro-americanos
(Disco 2)
Judaísmo; Hinduísmo; Protestantismo;
Clássicos e Mitos do Mediterrâneo
(Disco 3)
Islamismo; Xintoísmo; Ceticismo;
Budismo; Confucionismo.


O livro das religiões
Autores: Jostein Gaarder (O Mundo de Sofia), Victor Hellern e Henry Notaker
Editora: Companhia das Letras.
São Paulo, 2005.

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PS. Um abraço saudoso e especial à minha eterna
Mestra e Filósofa Cristina.

Cleiton.

20 de abr. de 2011

Anomia

Um dia desses...
O esportista chamado Neymar Jr. lamentou após ser expulso. O jogador de futebol do Santos,   comemorou um gol colocando uma das várias máscaras (com o seu próprio rosto) que foram distribuídas aos torcedores na entrada do estádio. Sem saber das regras do futebol, ele usou o "disfarce dele mesmo" e recebeu o derradeiro cartão amarelo, o que levou a sua expulsão. O atleta que se mostrou contrário à punição, lamentou da seguinte forma:  "Tem a lei e tudo mais, mas sempre tem aquela coisa chata no futebol, infelizmente. Querendo ou não, o gol é o que todo mundo que vai ao estádio está esperando, e você quer comemorar com os torcedores, com a família. Naquela noite eu queria retribuir o carinho da torcida usando a máscara, mas infelizmente acabei tomando o cartão e ficando fora de um jogo muito importante".
Pelas normas do futebol, os jogadores não podem cobrir o rosto com máscaras ou qualquer equipamento similar, tirar a camisa, subir em alambrados etc. Tais comportamentos são passíveis de advertência. [Fim]

Caro Neymar Jr.

Quem lamenta sou eu! Ao invés de lamúrias, você deveria era se desculpar por descumprir as regras; e, não se mostrar descontente e contrário a elas. Alguém mais, incluindo, o seu técnico, já deveria ter lhe ensinado isso. E essa ausência de normas, tem nome: Anomia. Conforme o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, "na sociedade em que desaparecem os padrões normativos de conduta e de crença e o indivíduo, em conflito íntimo, encontra dificuldade para conformar-se às contraditórias exigências das normas sociais" (...). E mais, na Psicologia Social, essa desorgazinação pessoal acaba resultando numa individualidade desorientada, desvinculada do padrão do grupo.
Sendo assim, tome consciência, reflita e muita calma antes de qualquer ação pois, existe uma grande quantidade de adolescentes que torcem e que querem ser como você.  Dá próxima vez que for retribuir "carinho de torcida", escolha outros modos de demonstrar o seu contentamento. E "aquela coisa chata" de acordo com suas palavras, pode vir a impedir e barrar futuros jovens adultos de entrarem em escolas como se estivessem em filmes de faroeste.

Cleiton.

9 de abr. de 2011

Saiu na Mídia: Vende-se leitura

"Vende-se Leitura" na EJA

O início do mês de abril para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) foi marcado pela montagem de um comércio inusitado. O professor Cleiton Rezende, de Filosofia, recuperou seu velho carrinho de compras, encheu-o de livros de escritores consagrados e os apresentou a seus alunos, a fim de vendê-los. A forma de pagamento, entretanto, escapa do convencional. Ao invés de dinheiro, a compra é efetuada mediante um pequeno texto ou desenho que comente a obra escolhida; vale até recontar o que foi lido. O “Vende-se Leitura” é um projeto complementar ao conteúdo ministrado em aula e tenta estreitar as relações do aluno com a leitura. Fez parte da mercadoria à venda, livros vencedores de Prêmio Nobel, como “Cem Anos de Solidão” de Gabriel Garcia Márquez; revistas científicas; além da coleção de pensadores clássicos como: Sócrates, Platão e Aristóteles.
A ideia do projeto surgiu por meio de leitura das obras de Rubem Alves, educador brasileiro, que critica o professor habituado a não inovar. Junto a isso, o “Vende-se Leitura” prepara o aluno da EJA para o conteúdo que será apresentado em sala. “Este projeto visa preparar o aluno ao conteúdo que será visto. Por meio deste projeto, os alunos terão a oportunidade de tocar, sentir, pegar a obra que, em breve, irão estudar”, salienta.




Por: Alexandre Almeida e Vânia Queiroz, Jornalistas.

Matéria disponível em http://www.saopaulodacruz.net/

30 de mar. de 2011

Vende-se leitura

Vende-se leitura


Carrinho da Leitura
 
VOCÊ DESEJA COMPRAR LEITURA? Então, fique atento, o Carrinho da Leitura pode estar passando na porta de sua sala! Atenção: Para comprar leitura você não precisa de dinheiro, apesar de a compra ter que ser feita à vista. O pagamento é feito através da elaboração de um texto, comentário ou desenho. Após a leitura, coloque a sua opinião num papel em branco, sobre o que você leu, pesquisou ou viu. Quem não quiser escrever ou desenhar, pode recontar o que leu.

Fiz adaptações no Carrinho da Leitura (Foto) e vou levá-lo para os meus alunos da EJA - Educação de Jovens e Adultos, do Colégio São Paulo da Cruz, aqui da capital mineira. A atividade irá ser realizada sexta, 01 de Abril, às 19h.

No Carrinho da Leitura existem livros de Filosofia, Psicologia, Artes e Mitologia Grega. Obras literárias dos seguintes ganhadores do Prêmio Nobel: Jean-Paul Sartre, Albert Camus, Hermann Hesse, Gabriel Garcia Márquez, José Saramago e George Bernard Shaw. Sem deixar de fora a coleção dos Pensadores, com: Sócrates, Platão e Aristóteles, fazem parte do acervo, também, diversas revistas como – Galileu, National Geographic, Scientific American Brasil, Ciência e Vida entre outras.

Os "pagamentos" dos alunos irão ser disponibilizados aqui, AGUARDEM!!!

Cleiton Rezende


PS. Obras de Rubem Alves compõe o carrinho, pois, foi deste indizível escritor que tirei e adaptei a idéia. Mais exatamente após ler e tomar consciência da obra, Conversas sobre educação, editora Verus.

25 de mar. de 2011

O mal atual não tem culpados

Arnaldo Jabor
O mal atual não tem culpados
Publicado no Jornal OTEMPO em 22/03/2011

Celacanto provoca maremoto
Arnaldo Jabor

Há 35 anos, surgiu um estranho grafite nos muros do Rio: "Celacanto provoca maremoto". Como um peixe pré-histórico provocaria um tsunami? O grafite virou um enigma, só decifrado anos depois: foi um jornalista, Carlos Alberto Teixeira, jovem na época, que inventou a frase célebre, tirada de um desenho animado (ironicamente) japonês: "National Kid". A frase não queria dizer nada e, por isso, ficou famosa.
Nós sempre queremos significados e explicações. Por isso estamos em pânico: que significado extrair de um acontecimento como o terremoto/maremoto do Japão? Nenhum. Não há nada complexo no fato; poderíamos buscar explicações históricas, sociológicas, técnicas, atrás de responsabilidades e erros, até mesmo apontar o desejo dos japoneses de virarem um "superocidente", depois de Hiroshima.
O terremoto do Japão nos choca justamente porque não tem profundidade alguma. É tudo raso. Não houve erro. Não foi ninguém, a não ser a marcha tranquila da matéria ajustando-se na crosta, ignorando-nos, - nós, os micróbios que a habitam.

O 11 de Setembro já tinha subvertido nosso orgulho de engenharia triunfal e superioridade econômica. Osama bin Laden esmagou a potência fálica do capitalismo, como um Godzilla invisível. Ele criou quase um cataclismo "natural"; o 11 de Setembro, com sua violência crua, indiferente à identidade de suas vítimas, mimetizou a brutalidade cega de um tsunami de Alá.
Por outro lado, o desastre japonês inverteu qualquer lógica na paisagem humana; todas as coisas ficaram "fora do lugar" e vimos que não há lugar certo para as coisas ficarem, não há paisagem racional: o navio em cima da casa, os edifícios afundando no mar, um manto negro de detritos flutuando calmamente sobre as cidades como se inunda um formigueiro ou se mata uma barata. Não foi Deus. Seria até bom que ele existisse, como no terremoto de Lisboa em 1755, quando mais de 100 mil morreram dentro das igrejas cheias de fiéis. Era Dia de Todos os Santos.
Voltaire, em seu texto sobre o desastre de Lisboa, denunciou a brutalidade do "Criador vingativo". Mas a fé resistiu porque ao menos eles sentiam na carne os "desígnios" divinos que matam seus devotos. Em vez do Nada. Ao menos havia um Ser querendo nos punir ou salvar, havia alguém preocupado conosco. Havia ainda alguma transcendência no horror.

Hoje não há mais nada; a impressão é que "o sentido do acontecimento é o acontecimento não ter qualquer sentido".
Estamos famintos de transcendência, mas ela está rara - por isso a religião, drogas, autoenganos, magia. A banalização da morte precede grandes tragédias; mas o problema é que as tragédias é que estão ficando banais, tanto as naturais como as humanas. Qual a profundidade de homens-bomba despedaçando-se por causa de um ser que não existe? Quem é o good guy e o bad guy numa guerra em que o inimigo quer morrer? Precisamos de agentes do mal porque o mal moderno está autossuficiente, tem vida própria.
"O escândalo hoje em dia é que um mal imenso possa ser causado com uma completa ausência de malignidade, que uma responsabilidade monstruosa possa andar a par com uma total ausência de más intenções. O caráter inverossímil da situação é de cortar o fôlego. No mesmo instante em que o mundo se torna apocalíptico, e isso por culpa nossa, oferece a imagem de um lugar habitado por assassinos sem maldade e por vítimas sem ódio. Em nenhuma parte, há traços de maldade, não há senão escombros. A ausência de ódio e a ausência de escrúpulos serão uma coisa só. (...) Na atividade do mundo chamada tecnologia é que a história está acontecendo; a tecnologia virou o sujeito da história, na qual somos apenas co-históricos" (Hannah Arendt e Gunter Anders, apud Jean Pierre Dupuy).

A própria confiança que o Ocidente tem na sua soberba tecnociência está em crise. Desconfiamos agora de sua infalibilidade com vexames sucessivos: óleo derramado, reatores invencíveis, aquecimento climático, destruição do ambiente, terrorismo com armas de destruição em massa.
Talvez a fome com que as nações ocidentais lançaram-se, subitamente humanitários, para destruir o Kadafi e proteger a Líbia, mostre como precisávamos exibir nossa potência técnica e bélica, tão humilhada por catástrofes naturais e humanas. Estávamos precisando mesmo de um filho da p..., nítido, legítimo como Kadafi, espantosa caricatura do mal - uma velha maluca de bigode e camisola.
O problema é que a tecnociência não nos brinda com transcendência alguma; ela é reta, finalista sem saber para onde, ela não tem alma ou sonhos éticos. Sempre que pensamos no futuro, pensamos no pior. O século XXI, cheio de promessas, até agora só nos decepcionou. Precisamos de uma ética política global - qual? Hoje, já há uma máquina de guerra se programando sozinha e nos preparando para um confronto inevitável no Oriente Médio. Já se ouvem os trovões de uma tempestade. Os mecanismos de controle pela "razão", sensatez, pelas "soft powers" da diplomacia perdem a eficácia. A época está ficando morta para palavras, na vala comum dos detritos humanistas. E a ciência não resolve o problema. No entanto, quando Hiroshima e Nagasaki foram derretidas como sorvete, a bomba norte-americana foi considerada uma "vitória da ciência".
O espetáculo luminoso de Hiroshima marcou o início da guerra do século XXI. Auschwitz e Treblinka ainda eram "fornos" da Revolução Industrial, mas Hiroshima inventou a guerra tecnológica, asséptica. A bomba A agiu como um detergente, um mata-baratas. As bombas norte-americanas foram lançadas em nome da "razão".
Nietzsche (quem sou eu para citá-lo?) sacou que temos de viver sem transcendência ou esperança, numa arte de viver além do bem e do mal. O mal atual não tem culpados.
Daí a oportuna lembrança do velho grafite carioca: o celacanto produziu o maremoto? Seria ótimo. Ao menos, teríamos um culpado...[X]


21 de mar. de 2011

A arte de perder não é nenhum mistério

Uma Arte


A arte de perder não é nenhum mistério
tantas coisas contém em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subseqüente
da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. Um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

Mesmo perder você (a voz, o ar etéreo, que eu amo)
não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser um mistério
por muito que pareça (escreve) muito sério.


Elizabeth Bishop

16 de mar. de 2011

Tem o "negócio" do decoro, né?

No dia 02 de março, o Deputado Federal Francisco Everardo Oliveira Silva, o Tiririca, do PR de São Paulo, assumiu uma das vagas na Comissão de Educação da Câmara. Deputado mais votado na eleição de outubro (2010), Tiririca disse como se sentiu depois da primeira reunião. - "Aqui tem que ser sério. Tem o negócio do decoro, né?"; "deu pra entender legal; e "achei bacana os colegas"...
Meu caro Tiririca, se tem que ser sério, me perdoe, ou melhor, perdoe a grande massa de brasileiros não esclarecidos que te elegeram e colocaram aí. É que, segundo o regimento interno da Câmara dos Deputados, os artigos 24 (Atribuição) e 32 (Campo Temático) estão repletos de informações que "deveriam" ser seguidas e, devido a sua incompleta formação, muito além do seu alcance.

No artigo 24, algumas das atribuições lhe convocam para: exercer o acompanhamento e a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União... OU, determinar a realização, com o auxílio do Tribunal de Contas da União, de diligências, perícias, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário... OU, exercer a fiscalização e o controle dos atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta.
O item XIII do mesmo artigo, na minha opinião, lhe será trabalhoso. Está escrito assim: "estudar qualquer assunto compreendido no respectivo campo temático ou área de atividade, podendo promover, em seu âmbito, conferências, exposições, palestras ou seminários". Agora eu te pergunto Tiririca, como isto será possível? Agora eu pergunto ao grande público: Vocês sabiam que o preferido de vocês não era devidamente capaz? Vocês sabiam das devidas atribuições que o cargo exige, antes de saírem votando por aí?

E não acabou, não!

No campo temático, caro deputado, você terá que lidar com "assuntos atinentes à educação em geral; política e sistema educacional, em seus aspectos institucionais, estruturais, funcionais e legais; direito da educação; recursos humanos e financeiros para a educação"... OU, com desenvolvimento cultural, inclusive patrimônio histórico, geográfico, arqueológico, cultural, artístico e científico... OU, na produção intelectual e sua proteção, direitos autorais e conexos.

Todo este disparate me fez lembrar de um adolescente de 14 anos que atendi e disse assim: "Já repeti de ano 4 vezes mas, se não der certo de novo, irei ser jogador de futebol ou, quem sabe, presidente".
Sendo assim, caro deputado, volte a fazer o que você fazia. Sendo palhaço, pelo menos, você me fazia rir. Sendo que agora, só lágrimas... de vergonha.

PS. Com base no belíssimo texto "Lição de política" (abaixo) de Rubem Alves, Tiririca é um berne. E conforme eu, ele é mesmo... mas, ainda, não sabe.

Cleiton Rezende

15 de mar. de 2011

Fragmentos literários: Lição de política

Lição de política

Pastava uma plácida vaquinha por campos verdejantes, feliz da vida pelo capim que comia; quanto mais comia, mais engordava, era capim demais para uma vaca só...
Voava por ali uma mosca-varejeira que, ao ver a gorda vaquinha, pensou: Que carne macia para nela botar meus ovos... E ligeirinha se aproximou.
Mas a vaca, sabedora das manhas da varejeira, espantou-a logo com uma rabada vigorosa. A varejeira, vendo baldados seus esforços, resolveu adotar uma abordagem diferente. Psicológica. Flutuou, então, voante, diante do focinho da vaca e começou uma conversa mole.
- Como a senhora é grande, dona Vaca! Merece mais espaço do que tem. Eu, mosca minúscula, ando por todos os lados e não há cerca que me detenha. A senhora vê aquele gordo pasto além da cerca? É muito melhor que este aqui.
E com essas palavras foi e voltou como um raio, para provar o seu ponto.
- Acho que a senhora, pelo seu tamanho e utilidade, tinha de ter este direito que eu tenho: o direito de voar e saltar sobre as cercas. Se a senhora se sente feliz com o capim deste pastinho, quão mais feliz se sentirá se puder pastar por todos os pastos que há...
A vaca, picada pelas palavras da mosca, lhe perguntou:
- Mas o que é que posso fazer?
- Eu posso ajudá-la - a varejeira afirmou. - Basta que eu bote meus ovos nas suas costas. De cada ovo nascerão duas asas e, em breve, a senhora terá milhares de asas com que voar...
- Por favor - disse a burra e democrática vaquinha -, bote seus ovos em minhas costas. - E, com essas palavras, enfiou o rabo no meio das pernas.
A varejeira começou o seu trabalho enquanto a vaca lhe dizia:
- Bote mais um, por favor...
Dentro em breve as costas da vaca estavam cobertas de calombos. Cresciam os bernes lá dentro, bebiam o seu sangue e a atormentavam com ferroadas.
- Está doendo, dona Varejeira - reclamava a vaca.
- A senhora já viu parto sem dor? São as 9.555 asas que estão nascendo...
A vaca emagrecia.
- Estou ficando fraca, dona Varejeira.
- Mas, depois que tiver asas, comerá de muitos pastos e ficará forte como um touro - a varejeira retrucava.

***

 A fábula, já nossa conhecida, interrompe-se aqui, como o penúltimo capítulo de fita em série. A vaca voará? Continuará burra, acreditando na varejeira? Será comida pelos bernes?

A vaca é o país. Os bernes são os políticos.

Lição número 1: bernes não sonham sonhos de vaca. Bernes só sonham sonhos de berne. Sonho de berne é comer carne de vaca. A vaca está condenada a ficar cada vez mais magra. Terminará por morrer de anemia.
Lição número 2: é inútil dar fortificantes para a vaca enquanto os bernes estiverem nas suas costas. Fortificantes para as áreas econômica, de saúde e educação são paliativos enquanto dali não forem extraídos os bernes políticos. Os problemas que aí existem são consequências diretas da ação dos bernes, que pouco se importam com a saúde da vaca.
Lição número 3: vaca com berne só pensa em berne. As ferroadas não lhe deixam nem pensar nem gozar as coisas boas da vida.
Assim nós... Já nem sabemos conversar... Abrimos os jornais diariamente, e o costume já é procurar as fezes da classe política. É sobre elas que falamos todo dia, toda hora! Talvez este seja o maior crime que se cometeu contra o povo: roubaram-nos a capacidade de pensar bonito.
Quarta lição: berne só sai da vaca espremido...
Da mesma forma como não se pode esperar que os bernes saiam das costas da vaca por vontade própria, não se pode esperar que a classe política se regenere. O lema de "ética na política" é tão irrealista quanto o lema de bernes vegetarianos. Alguém deverá espremer os bernes.
O que estou dizendo já foi dito por Guimarães Rosa, por Albert Camus, por Hermann Hesse, que afirmava que a sabedoria política, hoje em dia, não se acha onde se encontra o poder político. Urge que toda uma corrente de inteligência e de intuição irrompa das camadas não oficiais, quando se trata de impedir as catástrofes ou de atenuar-lhes os efeitos.
A esperança para a política virá dos que não são políticos profissionais: não militam em partidos, não se candidatam, não ganham com seus cargos, não gozam de mordomias, estão fora dos círculos de poder onde se decidem as maracutaias para engordar bernes e emagrecer a vaca...
Sonho com uma política a ser feita por aqueles que nada desejam ganhar, a não ser a alegria de contribuir para diminuir o sofrimento do povo.
Dirão que sou sonhador. Mas, como estou escrevendo na manhã em que se proclama que a vida ressuscita do meio da morte, sinto-me no direito de pensar o impossível...

ALVES, Rubem. Conversas sobre Política. Campinas, SP: Verus Editora, 2010. p.91-94

3 de mar. de 2011

Fragmentos literários: Perguntas de criança...

Perguntas de criança...

Há muita sabedoria pedagógica nos ditos populares. Como naquele que diz: “É fácil levar a égua até o meio do ribeirão. O difícil é convencê-la a beber a água...” De fato: se a égua não estiver com sede, ela não beberá água por mais que o seu dono a surre... Mas, se estiver com sede, ela, por vontade própria, tomará a iniciativa de ir até o ribeirão. Aplicado à educação: “É fácil obrigar o aluno a ir à escola. O difícil é convencê-lo a aprender aquilo que ele não quer aprender...”

Às vezes eu penso que o que as escolas fazem com as crianças é tentar forçá-las a beber a água que elas não querem beber. Bruno Bettelheim, um dos maiores educadores do século passado, dizia que na escola os professores tentaram ensinar-lhe coisas que eles queriam ensinar, mas que ele não queria aprender. Não aprendeu e, ainda por cima, ficou com raiva. Que as crianças querem aprender, disso não tenho a menor dúvida. Vocês devem se lembrar do que escrevi, corrigindo a afirmação com que Aristóteles começa a sua Metafísica: "Todos os homens, enquanto crianças têm, por natureza, desejo de conhecer..."

Mas o que é que as crianças querem aprender? Pois, faz uns dias, recebi de uma professora, Edith Chacon Theodoro, uma carta digna de uma educadora e, anexada a ela, uma lista de perguntas que seus alunos haviam feito, espontaneamente:
Por que o mundo gira em torno dele e do sol? Por que a vida é justa com poucos e tão injusta com muitos? Por que o céu é azul? Quem foi que inventou o português? Como foi que os homens e as mulheres chegaram a descobrir as letras e as sílabas? Como a explosão do Big Bang foi originada? Será que existe inferno? Como pode ter alguém que não goste de planta? Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Um cego sabe o que é uma cor? Se na arca de Noé havia muitos animais selvagens, por que um não comeu o outro? Para onde vou depois de morrer? Por que eu adoro música e instrumentos musicais se ninguém na minha família toca nada? Por que sou nervoso? Por que há vento? Por que as pessoas boas morrem cedo? Por que a chuva cai em gotas e não tudo de uma vez?

José Pacheco é um educador português. Ele é diretor (embora não aceite ser chamado de diretor, por razões que um dia vou explicar...) da Escola da Ponte, localizada na pequena cidade de Vila das Aves, ao norte de Portugal. É uma das escolas mais inteligentes que já visitei. Ela é inteligente porque leva muito mais a sério as perguntas que as crianças fazem do que as respostas que os programas querem fazê-las aprender. Pois ele me contou que, em temos idos, quando ainda trabalhava numa outra escola, provocou os alunos a que escrevessem numa folha de papel as perguntas que provocavam a sua curiosidade e ficavam rolando dentro das suas cabeças, sem resposta.

O resultado foi parecido com o que transcrevi acima. Entusiasmado com a inteligência das crianças - pois é nas perguntas que a inteligência se revela -, resolveu fazer experiência parecida com os professores. Pediu-lhes que colocassem numa folha de papel as perguntas que gostariam de fazer. O resultado foi surpreendente: os professores só fizeram perguntas relativas aos conteúdos dos seus programas. Os professores de geografia fizeram perguntas sobre acidentes geográficos, os professores de português fizeram perguntas sobre gramática, os professores de história fizeram perguntas sobre fatos históricos, os professores de matemática propuseram problemas de matemática a serem resolvidos, e assim por diante.

O filósofo Ludwig Wittgenstein afirmou: "Os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo". Minha versão popular: "As perguntas que fazemos revelam o ribeirão onde quero beber..." Leia de novo e vagarosamente as perguntas feitas pelos alunos. Você verá que elas revelam uma sede imensa de conhecimento! Os mundos das crianças são imensos! Sua sede não se mata bebendo a água de um mesmo ribeirão! Querem águas de rios, de lagos, de lagoas, de fontes, de minas, de chuva, de poças d’água... Já as perguntas dos professores revelam (perdão pela palavra que vou usar - é só uma metáfora, para fazer ligação com o ditado popular!) éguas que perderam a curiosidade, felizes com as águas do ribeirão conhecido... Ribeirões diferentes as assustam, por medo de se afogarem... Perguntas falsas: os professores sabiam as respostas... Assim, elas nada revelavam do espanto que se tem quando se olha para o mundo com atenção. Eram apenas a repetição da mesma trilha batida que leva ao mesmo ribeirão...

Eu sempre me preocupei muito com aquilo que as escolas fazem com as crianças. Agora estou me preocupando com aquilo que as escolas fazem com os professores. Os professores que fizeram as perguntas já foram crianças; quando crianças, suas perguntas eram outras, seu mundo era outro... Foi a instituição “escola” que lhes ensinou a maneira certa de beber água: cada um no seu ribeirão... Mas as instituições são criações humanas. Podem ser mudadas. E, se forem mudadas, os professores aprenderão o prazer de beber de águas de outros ribeirões e voltarão a fazer as perguntas que faziam quando eram crianças.

ALVES, Rubem. Conversas sobre Educação. 10. ed. Campinas, SP: Verus Editora, 2010. p.25-28

26 de fev. de 2011

Manhã de Integração

Manhã de Integração com os pais e alunos do 6º ano do Colégio São Paulo da Cruz

Obras apresentadas e comentadas:

Rubem Alves – Conversas sobre Educação
Janusz Korczak – Quando eu voltar a ser criança
Flávio Gikovate – Os Sentidos da Vida
Immanuel Kant – À paz perpétua

(+) Comentários sobre o texto:
Clique: Que é esclarecimento (Aufklarung), de Kant

(+) Comentários sobre o texto:
Clique: Aprender a Ensinar, de Franklin Leopoldo e Silva







Cleiton Rezende

18 de fev. de 2011

Fragmentos literários: Aprender a ensinar

Aprender a ensinar
Franklin Leopoldo e Silva*

Em nosso modo habitual de definir as coisas, as oposições desempenham um papel muito relevante. Conhecemos o preto por oposição ao branco, o frio por oposição ao quente, o sólido por oposição ao líquido; também sabemos o que é muito por oposição a pouco, o diferente por oposição ao idêntico e múltiplo por oposição ao uno. Estendendo esta oposição às relações humanas, fazemos o mesmo jogo quando opomos o pai ao filho, o marido à esposa e o amigo ao inimigo. Parece que discernimos tudo com mais nitidez quando logramos levar as diferenças até a oposição. E é assim também que julgamos saber o que é ser professor quando contrapomos esta condição à do aluno. Aliás, este é um daqueles casos em que definir por oposição permite extrair várias conseqüências em termos de conduta, de direitos e de deveres, e até de posição hierárquica.

Entretanto, não é difícil perceber que tais distinções nos permitem definir os termos na exata medida em que os relacionamos, no sentido de estabelecer uma dependência mútua. Isto significa que definir por oposição é conhecer uma coisa pela outra, o que, no limite, forma uma rede de relações em que cada coisa é conhecida por meio de outra, o que implica sempre a presença de pelo menos dois termos. O que nos permite dizer, então, que as oposições servem muito mais para compreender o modo como as coisas se ligam do que a maneira pela qual se excluem. É por isso que a oposição deixa de ser útil no conhecimento e na experiência de vida quando a traduzimos em separação pura e simples. E esta é uma tentação freqüente, na medida em que nos inclinamos a entender que a visão clara de cada coisa em si mesma supõe considerá-la como se existisse única e exclusivamente por si.

Nem é preciso refletir muito para notar quanto as atitudes exclusivistas contribuem para a deterioração das relações humanas. É por separar-me completamente do outro que venho a acreditar que ele está errado e, portanto, excluído da verdade que eu possuo, o que me outorga o direito de desprezá-lo, de tutelá-lo, de modificar sua conduta e, no limite, de eliminá-lo. Meu comportamento seria diverso se pudesse ver na diferença um enriquecimento da afinidade, já que o caráter produtivo das relações está na compreensão e na vivência da diversidade. Compreender a identidade é inseparável da compreensão da alteridade, porque o que sou para mim mesmo se manifesta constantemente naquilo que sou para os outros e naquilo que eles são para mim.

Assim, ninguém pode apreender autenticamente o que significa ser professor se esquecer, por um momento sequer, a oposição complementar pela qual esta significação se constrói: o aluno, tanto no aspecto da interação e do relacionamento quanto no aspecto da irredutível diferença e singularidade. Que a escola e o professor somente existam em função do aluno parece óbvio, mas esta evidência se revela ilusória assim que procuramos compreender um pouco mais detidamente a função do professor.

Porque não há nada mais paradoxal do que a relação pedagógica. Ela significa conduzir o outro à sua própria autonomia, e sem dúvida há algo de quase contraditório nesta definição e neste propósito. Toda a dificuldade da relação e da formação inerentes ao processo educativo está contida neste paradoxo.

Vivemos numa sociedade da produção em que o critério do êxito está ligado ao produto e às técnicas de produzi-lo eficientemente. Ora, qual poderia ser o produto da educação senão os indivíduos adestrados para suas tarefas e socialmente ajustados ao sistema produtivo? E como se poderia definir a tarefa do professor a não ser por essa produção e os meios pelos quais ele a desempenha satisfatoriamente? O que se espera da escola e do professor é que eles produzam indivíduos que atendam as solicitações de uma sociedade de mercado. A qualidade dos estabelecimentos de ensino é julgada por esse critério. Por isso se diz que uma sociedade equilibrada e consciente de seus valores produz bons indivíduos, isto é, produtos úteis, bem acabados e com utilização garantida.

A analogia é clara: ela supõe que educar e formar não se distingue de fabricar objetos. Esta é a causa da procura incessante de técnicas por meio das quais a educação poderia ser bem sucedida; pois o aprimoramento da tecnologia de fabricação reflete-se na melhoria do produto.
Para que esse desideratum pudesse ser cumprido, seria necessário instituir entre o professor e o aluno a mesma distinção e separação que existe entre o fabricante e o seu produto. Seria preciso que o professor fosse um técnico e o aluno uma coisa. Os fins e os meios de atingi-lo teriam de ser igualmente reificados (coisificar). Esta é, felizmente, uma tarefa absolutamente impossível de ser cumprida. Tanto nos sucessos quanto nos fracassos da educação, as causas e razões não podem ser atribuídas, como no caso da fabricação, à matéria-prima, aos recursos tecnológicos e às formas de empregá-los. Porque se trata de uma relação humana em que os meios e os objetivos devem ser experimentados na tensão das diferenças e na busca comum de uma síntese difícil e sempre incompleta entre as singularidades individuais, vividas na especificidade de situações históricas e sociais muito pouco previsíveis e controláveis.

Neste sentido, é correto afirmar que o professor existe em função do aluno, e vice-versa, desde que esta relação seja entendida não de forma contrastante e extrínseca, mas a partir de uma solidariedade profunda que só pode existir num contexto de compreensão da pessoa, na multiplicidade convergente dos aspectos, individuais e coletivos, subjetivos e histórico-sociais. As posições respectivas do professor e do aluno não estão nunca definidas, elas têm de ser construídas na experiência dialogante em que se inventam as respostas às diferentes situações. E não existiria nada de mais contrário a esta perspectiva do que a consolidação de uma oposição baseada na diferença excludente entre o ensinar e o aprender. Pois se a formação consiste na construção de uma consciência crítica, a educação formadora não pode ser modelagem, mas sim a constante renovação das ocasiões para que cada indivíduo libere sua singularidade e aprenda a vivê-la no contexto de uma sociabilidade autêntica, aprendendo ao mesmo tempo como se conduzir para que tais metas sejam ao menos um horizonte de futuro, uma esperança plausível.

A desvalorização do professor, a recusa social que o discrimina em várias dimensões, a começar pela remuneração e condições de trabalho, as críticas e as propostas de reforma do ensino em seus vários níveis expressam fundamentalmente o descontentamento do sistema que não pode deixar de perceber a característica que apesar de tudo persiste, oculta, deformada, desqualificada, como um resíduo no fundo da relação pedagógica: a emancipação, requisito para que o indivíduo possa assumir de fato sua humanidade. A transformação da educação em mercadoria aparece então como a odiosa opção moderna para a reinserção da educação e do educador na atualidade de um mundo em que a produção e o consumo, de um lado, e a competitividade e o egoísmo, de outro, representam os únicos parâmetros de julgamento.

Nesta época catastrófica em que nos coube viver, sitiados pelos paradigmas de alienação, hesitantes quanto ao presente, incertos quanto futuro, cabe tomar consciência de que precisamos aprender a ensinar o valor da resistência.

* Franklin Leopoldo e Silva é professor de História da Filosofia Contemporânea do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, e autor de: Descartes, Metafísica da Modernidade; Bergson, Intuição e discurso filosófico e Ética e literatura em Sartre.

Org. PASCALE, Rosana; WILLIAM, Lara. Relações do Ensinar. São Paulo, SP: Paulus Editora. 2004. p.11-13.


Ps. Existe uma outra referência do autor no link abaixo.
Um DVD sobre Fenomenologia e Existencialismo.


27 de jan. de 2011

Elas X Deus

Olá.
Colocar Lispector e Adélia Prado no mesmo dia e respectivos fragmentos de suas obras foi proposital. Cleiton.

Fragmentos literários: A maçã no escuro

Era tão escuro como se eu procurasse o hotel e não soubesse onde ele ficava, a única coisa tocável era o livro na mão - o medo, o medo de que o senhor me acusou, não me deixava um movimento, mas depois que passou a surpresa - então rebentou o que eu mal e mal tinha contido até aquele instante - a beleza da praia rebentou, a linha fina do horizonte rebentou, a solidão a que eu tinha voluntariamente chegado rebentou, o balanço da barca que eu tinha achado bonito rebentou, e rebentou o medo da intensidade de alegria que sou capaz de atingir - e sem poder mais mentir, chorei rezando no escuro, rezando assim "nunca mais isso, oh Deus nunca mais me deixe ser tão audaciosa, nunca mais me deixe ser tão feliz, tire para sempre a minha coragem de viver; que eu nunca vá tão adiante em mim mesma, que eu nunca me permita, tão sem piedade, a graça", porque eu não quero a graça, pois antes morrer sem ter jamais visto que ter visto uma só vez! porque Deus com sua bondade permite, ouviu, permite e aconselha que as pessoas sejam covardes e se protejam, Seus filhos prediletos são os que ousam mas Ele é severo com que ousa, e é benevolente com que não tem coragem de olhar de frente e Ele abençoa os que abjetamente tomam cuidado de não ir longe demais no arrebatamento e na procura da alegria, desiludido Ele abençoa os que não têm coragem.
Ele sabe que há pessoas que não podem viver com a felicidade que há dentro delas, e então Ele lhes dá uma superfície de que viver, e lhes dá uma tristeza, Ele sabe que tem pessoas que precisam fingir, porque a beleza é árida, por que é tão árida a beleza? e então eu disse para mim "tenha medo, Vitória, porque ter medo é a salvação". Porque as coisas não devem ser vistas de frente, ninguém é tão forte assim, só os que se danam é que têm força. Mas para nós a alegria tem que ser como uma estrela abafada no coração, a alegria tem que ser apenas um segredo, a natureza da gente é o nosso grande segredo, a alegria deve ser como uma irradiação que a pessoa jamais, jamais deve deixar escapar. Sente-se um estilhaço e não se sabe onde: é assim que tem que ser a alegria: não se deve saber o por quê, deve-se sentir assim: "mas que é que eu tenho?" - e não saber. Embora quando se toque em alguma coisa, essa coisa brilhe por causa do grande segredo que se abafou - eu tive medo, porque quem sou eu sem a contenção? Quando no dia seguinte eu estava sentada na barca eu pensava que tinha morrido. Mas como se tivesse, antes de morrer, comungado. (LISPECTOR, p.237,238)

LISPECTOR, Clarice. A maçã no escuro. Círculo do Livro S.A. São Paulo.

PS. A palavra "senhor" logo no ínicio, está se referindo ao outro personagem da obra, chamado, Martim. E não à Jesus Cristo.

Fragmentos literários: O homem da mão seca

O doutor ralhou comigo quando chamei minhas dificuldades de minhas doenças. É um processo, dona Antônia. Doença, processo, foi um estado de paralisia sufocante que me fez ir atrás de seus serviços. Me dei conta quando rezava: "Seja feita a Vossa vontade." Estranhei como nunca. Não. Isto, não. Maior que eu não dou conta de ser. Até então fora só lábios fluentes e a minha força, a força da minha língua guardando a culpa e o pecado como uma posse, um poder contra Ele. Foi Clara quem me instruiu sobre a coisa satânica. Não escrevo mais poéticas, não sou criatura, sou como Vós, lábios in-fluentes e língua sem força. Deus não é humano, Deus não sabe escrever, e eu que aprendi não queria fazê-lo, pois queria ser deus. Ele não sabe, faço por Ele, pratico o crime que à falta de outro nos redimirá aos dois de nossas tão diversas condições. Sim, sim, cada vez mais é assim que a compreendo, a vontade divina. Esta é a pobreza, a vontade divina governando minha vida. Pensamentos vêm aos borbotões: de que é em mim que Ele repousa seu Espírito, de que o bem compete a mim, ainda que Ele não peque, de que sou puro pecado e Ele sente culpa em mim, de que, como não me separo d´Ele hora nenhuma, fica parecendo que a culpa é minha, de que a quadratura do círculo é questão teológica, de que a física está prestes a intuir a Trindade, de que se não tivermos culpa real não há sentido em falar em salvação, de que sou deus, de que não sou deus, de que se o homem perder-se deus está perdido. Se "a criação foi sujeita à vaidade não voluntariamente, mas por vontade daquele que a sujeitou", segue que Clara e o apóstolo Paulo estão dizendo a mesmíssima coisa. E mais: "Deus endurece a quem quer." Não sou eu quem o diz. "A carne não se submete à lei do Senhor; nem o pode." Se "o Espírito mesmo intercede por nós", Deus se salva a Si próprio quando me salva. Qual é meu pecado, então? A física entender a Trindade, Clara disse que vai demorar, porque agora é que chegamos ao telefone celular. E fax, que todo o mundo acha o máximo, é muito discursivo pra seu gosto. O que o homem faz é desinventar o mundo, criá-lo às avessas, o deusinho gabiru: pica,separa, corta, depois ajunta de novo e fala oooooh! Inventei o radar, chegamos ao periscópio, que parece uma pessoa muito alta na multidão virando o pescoço pra cá e pra lá, muito engraçado o periscópio, muito pobrezinho ele. Mas a visão já está inventada, e o que se vai ver, também. Tudo já está feito, o homem desfaz, pensando que faz, para ver o já feito. Vamos acabar com a canseira de preservar as graminhas e a floresta amazônica, vamos direto ao assunto: a culpa é nossa mesmo. Jesus, o pobre de Yahvé, é nos relatos quase impaciente. Não se precisa ir a inaugurações e responder cartas. Já está tudo perfeito, nada mais a fazer. (PRADO, p.57,58)

PRADO, Adélia. O homem da mão seca. Rio de Janeiro: Record, 2007.

7 de jan. de 2011

Ônus e bônus

Ônus e bônus

Cleiton Renato Rezende

Comecei a freqüentar uma sala de Alcoólicos Anônimos há dois anos. E cá entre nós, os primeiros dias são os piores. Após chegar ao referido lugar e vencido o desafio de passar pela porta, primeiro, você faz rapidamente uma varredura no local para escolher aonde vai se sentar. Segundo, verifica se existe ou não, alguém ao lado deste lugar que você escolheu. Se porventura já estiver ocupado, começa outro incômodo sobre o que aquele estranho vizinho poderá pensar de você. Enfim, após se acomodar, incomodado, claro, começa o passeio visual pelos quatro cantos do ambiente: um relógio analógico, banners com informações sobre os “12 Passos”, os “12 Conceitos” e as “12 Tradições” da Irmandade, uma cafeteira, uma lixeira, um bebedor, um quadro com uma variedade grande de avisos de todas as formas e cores, um armário de canto e uma mesa grande no centro com alguns adornos compõe o resto do cenário. E ali fiquei sentado aguardando, sem ter mais o que olhar, tentando sabe-se Deus como, sem sucesso, distrair o meu nervosismo. Nervosismo, goela seca, mãos geladas, inquietação, ansiedade, uma agonia só. São terríveis os primeiros dias, nem se fala. Terríveis, repito. E o primeiro de todos? Um desconforto intestinal clássico, além, dos outros itens já citados! É uma ocasião em que você não sabe nem aonde colocar a mão, que dirá do que vai dizer. E imaginando que você saiba o que irá falar, logo você toma consciência que não sabe como vai falar, que horas poderá falar e se o que você vai pronunciar será compreendido. Contudo, apesar das adversidades, aprendi que dizer, relatar, contar é preciso, necessário, vital. É a força invisível e mágica que move e permite transformar aqueles encontros, chamados de reuniões. De volta às minhas lamúrias e para piorar as coisas, tem o silêncio. Ter que ficar em silêncio e aguardar a sua hora de narrador também é muito doído. E você sabia que o silêncio faz barulho? É que ficar em silêncio, disse um companheiro: “te faz escutar inevitavelmente o que você tem dentro de si”. Mudando de assunto, certo dia, a sala ficou tão cheia por causa dos visitantes de outros grupos que, infantilmente receoso fiquei em não conseguir o meu "lugar ao sol" e não poder apresentar meus pensamentos. Mas no fim tudo deu certo. Sempre deu. Jamais, nunca por mais cheio que estivesse àquela sala de A.A. ninguém ficava pra trás. Todas as vozes se faziam presentes e vi nascerem muitos oradores. Papo sério. E por aí já se foram dois anos. Uma seqüência considerável de dias que, de duas em duas horas semanais eu lá estava. Lendo, ouvindo, comentando alguma coisa quando convidado ou não, atento a tudo e, principalmente, aprendendo. Vencendo as angústias e medos constatados pelo simples fato de existir e pensar, transformando meus velhos “vícios” em novos hábitos não nocivos à minha mente e corpo. Fazendo opções e escolhas mais atenciosas, de vinte em vinte e quatro horas pra ficar possível de ser alcançado, se é que você me entende. Já li em algum lugar que, por mais difícil que estejam às circunstâncias “o céu não cairá” e você, ainda, terá chances de aprender alguma coisa. Faça como eu fiz, visite uma sala de A.A., sem compromisso. E que ônus e bônus são como a escuridão e a claridade, é necessário haver o revezamento para que você os reconheça. E se por hipótese o momento de transição entre eles for doloroso demais, grite a plenos pulmões: “Concedei-nos Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguir umas das outras”. Pronto, é isso! E eu, quem sou? Chamam-me de Cleiton Renato Rezende e moro em Belo Horizonte/MG. A sala, ou melhor, o grupo que freqüento fica na região Oeste e é chamado de Bonança, sou Psicólogo quando convocado, professor de Filosofia, tio de um adolescente chamado Arthur e, principalmente, amigo de vocês: Alcoólicos Anônimos.

Texto publicado na Revista Vivência, ed.131. Maio e Junho/2011.

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Ótima referência de filme sobre o tema: Vício Maldito.