17 de nov. de 2010

A festa

A festa

por André Felipe Souza Cecílio

A movimentação na casa da Lili havia começado cedo. Mal ela havia acordado e todos da casa já estavam conversando e indo e vindo o tempo todo. Ao contrário do que é de costume, dessa vez ninguém tinha vindo até o quarto de Lili para acordá-la e, após um beijo de bom-dia, levá-la até a mesa de café sobre a qual estaria servido o mais belo lanche da manhã de todo o mundo. Por isso, Lili permaneceu deitada, imaginando o que estaria acontecendo do outro lado da porta.
Na sala, Dona Carmen falava sem parar enquanto distribuía balões para cada um encher. Sua animação era evidente.
- Parece até que o aniversário é dela! – comentou o Lucas, enquanto enchia mais um balão cor-de-rosa. Ah, mas se eu não faço, ninguém mais tem disposição pra fazer. Às vezes eu acho que a Lili é quem faz aniversário, mas vocês que envelhecem! – respondeu Dona Carmen, agora procurando por um pacote de guardanapos na gaveta do balcão da sala – E mesmo por quê, vocês sabem bem que festa de aniversário é coisa muito importante nessa fase dela.
- Nisso ela tem razão – concordou Adelaide, que acabara de entrar na sala com uma imensa travessa de salgadinhos – Pode parecer bobagem, mas essas coisinhas são muito significativas pra ela.

Além disso, se nós podemos oferecer isso a ela, é esse o nosso dever. Tem tanta família aí que é doida pra fazer uma festinha de aniversário e não tem condições… – arrebatou Carmen.
Aos poucos, a sala ia se enchendo de balões verdes, rosas, azuis, roxos, vermelhos e de tantas outras cores que faziam o aposento parecer com as casas dos mais belos contos-de-fadas. Agora, Lucas e Adelaide se botaram a agrupar os balões em belos arranjos para, então, pendurá-los no teto e nas paredes ou deixá-los soltos em algum canto vazio. Dona Carmen, por sua vez, passava um pano úmido pelos móveis e continuava a dar pequenas ordens para os outros dois.
- Vocês tratem de manter esses balões no lugar e não baguncem a sala! Já, já eu vou sair com a Lili para comprar um presentinho pra ela e distraí-la até que dê a hora da festa. Aí, quando os convidados começarem a chegar, vocês me liguem, ok?
- Sim, senhora! – brincou Lucas, batendo continência.
- Bobo!
- Ih!, começou… Ô Carmen, que é que você vai comprar pra ela? – perguntou Adelaide, mudando o assunto.
- Ah, menina, vou comprar uma boneca linda que eu vi vendendo no shopping outro dia. Você precisa ver: é linda, parece até real!
- Ai, mas será que ela ainda gosta de bonecas?
- Eu não sei, mas essa não tem jeito de não gostar. É daquelas personalizadas, já viu? Eu dei uma foto da Lili pro vendedor e encomendei uma que fosse muito parecida com ela, como se fosse a filha. Ela vai adorar!
- Verdade… – concordou Adelaide – e essa filha é boa, porque não chora, não grita, não…
- Não morre… – disse Lucas.

Fez-se silêncio na sala, como se as duas mulheres tivessem perdido as vozes com a fala do Lucas. Só depois de alguns segundos que Carmen conseguiu falar algo:
- Ai, credo, Lucas!
- Uai, e não é verdade? – defendeu-se o outro.
- Em pleno clima de festa vem falar de morte. Cruz credo!
- Ih, foi só um comentário, desculpem! – fez uma pequena pausa – E de qualquer forma, ela já ta um tanto grandinha e já entende esse tipo de coisa, não acham?
Dessa vez, ninguém quebrou o silêncio. Cada um manteve-se entretido em sua atividade sem sequer olhar para o lado. Só quando Carmen terminou a limpeza que ela disse:
- Vou acordar a Lili agora e já vamos sair. Deixem tudo pronto, que os convidados não devem demorar. Aliás, ta faltando alguma coisa que vocês queiram que eu compre por lá?
- Não. – respondeu Lucas.
- Ah, tem sim! É que eu não tive tempo de ir em nenhuma loja, aí não comprei o presente dela, sabe?
- Hum…, entendo. E o que é que você quer que eu compre pra ela?
- Eu pensei em um vestido. Ela fica tão lindinha em vestidos, ainda mais se for um rosinha bem clarinho, não acha?
- Ta certo – concedeu Carmen, com um sorriso – mas você vai me passar o dinheiro agora ou depois?
- Passo agora. Deixei um pouco guardado na bolsa exatamente pra isso. – e foi buscar as notas na bolsa – Toma. E se sobrar troco, compre um sorvete pra ela.
- Sorvete não. Ela vai acabar arrumando uma dor de garganta, aí você já viu…
- Verdade… Nessa idade a saúde é muito fragilzinha. Ah, você compra alguma outra coisinha então.
- Ta bom. Deixe eu ir lá então.

Dona Carmen, então, foi até a porta do quarto de Lili, abriu-a e, ao ver que ela estava acordada, disse, sorrindo:
-Feliz aniversário, Lili!
Lili, que sempre foi um pouco tímida, apenas sorriu de volta e se pôs sentada na cama. Dona Carmen foi até a cômoda no canto do quarto, pegou um vestido numa gaveta e deu para Lili, juntamente com uma pequena sandália de couro claro.
- Vou levar você para passear e comprar um presente lindo. Vamos?
Com a ajuda de Carmen, Lili se vestiu e saiu com ela, parando antes para receber os abraços de Lucas e de Adelaide. Assim que as duas saíram, Adelaide comentou:
- Ai, ai… Ela ta tão felizinha, né?
- Ta… Mas, também, quem não estaria? Hoje, ela é uma princesa igual às dos contos de fadas.
Dentro de poucos minutos, a decoração estava pronta. Lucas e Adelaide, então, se puseram a conversar sobre a festa e imaginar quem viria e se Lili ficaria mesmo feliz. Não demorou muito para que a campainha soasse, anunciando a chegada do primeiro convidado. Era Zezé, um amigo de Lili. Assim com os anfitriões, ele estava muito animado e mal podia esperar para ver Lili.

Aos poucos, foram chegando todos os amigos e familiares. O Antônio e suas duas filhas, a Didi, o Léo, o Fernando e a Luísa, o João, o Pedro e a Carlinha, todos estavam lá. Então, Adelaide e Lucas ligaram para a Carmem, avisando que já era hora de trazer Lili de volta.
Todos na festa estavam ansiosos pela chegada da aniversariante, de modo que, quando Lucas anunciou que ela já estava a caminho, fez-se absoluto silêncio, eventualmente quebrado por uma tosse ou um pigarro. Adelaide foi até a cozinha e retirou do forno um lindo bolo de chocolate branco e morando, coberto com glacê cor-de-rosa e já com todas as velinhas esperando por serem acesas, e colocou-o no centro da mesa.

Quando a campainha soou, todos se levantaram e, mal Lucas havia aberto a porta, um grito em uníssono de “Surpresa!” ecoou por toda a casa. Do outro lado da porta, Dona Carmen aplaudia e ria diante do olhar alegre de Lili. Vestindo o vestido novo, que era rosa e rendado igual ao das sinhás de muito tempo atrás e carregando a nova boneca no colo, como se fosse, realmente, a sua filha, Lili entrou na sala e recebeu abraços e cumprimentos de todos.
- Parabéns!
- Nossa, como você ta linda!
- Que Deus te abençoe sempre!
- E essa boneca? Qual o nome dela? – diziam.
- É Laura Diniz da Silva e Couto. É minha filha – respondia Lili, fazendo questão de apresentar a boneca, enquanto a ninava.
Diante dessa resposta, todos se assustavam um pouco, mas logo faziam outras perguntas e comentários e esqueciam-se de vez da boneca – ou tentavam, pois Lili, a todo momento, brincava de fazer cócegas na boneca e tentar ensiná-la a falar palavras como “mamãe” ou “oi”. Contudo, com o tempo todos se acostumavam e também acabavam brincando com a filha de Lili.
Todos estavam se divertindo bastante, para a alegria de Dona Carmen, Lucas e Adelaide, que também sorriam e se deliciavam com as conversas de família e com os casos tão repetidos e, ao mesmo tempo, tão incrivelmente novos. Lili estava assentada, conversando com os seus amigos Zezé, Didi e Léo, sempre com a boneca no colo.

Mas nenhuma alegria se comparou ao momento no qual apagaram-se as luzes, acenderam-se as velas e começou-se o coro em homenagem a Lili. Em seus olhos, era visível o brilho de uma criança que vive sempre em um lindo conto-de-fadas e, na hora em que se encerrou a alegre música de aniversário, Lili reuniu todas as forças que tinha, encheu os pulmões e, sob calorosos aplausos, apagou todas as oitenta e nove velinhas sobre o bolo.

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