7 de jan. de 2011

Ônus e bônus

Ônus e bônus

Cleiton Renato Rezende

Comecei a freqüentar uma sala de Alcoólicos Anônimos há dois anos. E cá entre nós, os primeiros dias são os piores. Após chegar ao referido lugar e vencido o desafio de passar pela porta, primeiro, você faz rapidamente uma varredura no local para escolher aonde vai se sentar. Segundo, verifica se existe ou não, alguém ao lado deste lugar que você escolheu. Se porventura já estiver ocupado, começa outro incômodo sobre o que aquele estranho vizinho poderá pensar de você. Enfim, após se acomodar, incomodado, claro, começa o passeio visual pelos quatro cantos do ambiente: um relógio analógico, banners com informações sobre os “12 Passos”, os “12 Conceitos” e as “12 Tradições” da Irmandade, uma cafeteira, uma lixeira, um bebedor, um quadro com uma variedade grande de avisos de todas as formas e cores, um armário de canto e uma mesa grande no centro com alguns adornos compõe o resto do cenário. E ali fiquei sentado aguardando, sem ter mais o que olhar, tentando sabe-se Deus como, sem sucesso, distrair o meu nervosismo. Nervosismo, goela seca, mãos geladas, inquietação, ansiedade, uma agonia só. São terríveis os primeiros dias, nem se fala. Terríveis, repito. E o primeiro de todos? Um desconforto intestinal clássico, além, dos outros itens já citados! É uma ocasião em que você não sabe nem aonde colocar a mão, que dirá do que vai dizer. E imaginando que você saiba o que irá falar, logo você toma consciência que não sabe como vai falar, que horas poderá falar e se o que você vai pronunciar será compreendido. Contudo, apesar das adversidades, aprendi que dizer, relatar, contar é preciso, necessário, vital. É a força invisível e mágica que move e permite transformar aqueles encontros, chamados de reuniões. De volta às minhas lamúrias e para piorar as coisas, tem o silêncio. Ter que ficar em silêncio e aguardar a sua hora de narrador também é muito doído. E você sabia que o silêncio faz barulho? É que ficar em silêncio, disse um companheiro: “te faz escutar inevitavelmente o que você tem dentro de si”. Mudando de assunto, certo dia, a sala ficou tão cheia por causa dos visitantes de outros grupos que, infantilmente receoso fiquei em não conseguir o meu "lugar ao sol" e não poder apresentar meus pensamentos. Mas no fim tudo deu certo. Sempre deu. Jamais, nunca por mais cheio que estivesse àquela sala de A.A. ninguém ficava pra trás. Todas as vozes se faziam presentes e vi nascerem muitos oradores. Papo sério. E por aí já se foram dois anos. Uma seqüência considerável de dias que, de duas em duas horas semanais eu lá estava. Lendo, ouvindo, comentando alguma coisa quando convidado ou não, atento a tudo e, principalmente, aprendendo. Vencendo as angústias e medos constatados pelo simples fato de existir e pensar, transformando meus velhos “vícios” em novos hábitos não nocivos à minha mente e corpo. Fazendo opções e escolhas mais atenciosas, de vinte em vinte e quatro horas pra ficar possível de ser alcançado, se é que você me entende. Já li em algum lugar que, por mais difícil que estejam às circunstâncias “o céu não cairá” e você, ainda, terá chances de aprender alguma coisa. Faça como eu fiz, visite uma sala de A.A., sem compromisso. E que ônus e bônus são como a escuridão e a claridade, é necessário haver o revezamento para que você os reconheça. E se por hipótese o momento de transição entre eles for doloroso demais, grite a plenos pulmões: “Concedei-nos Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguir umas das outras”. Pronto, é isso! E eu, quem sou? Chamam-me de Cleiton Renato Rezende e moro em Belo Horizonte/MG. A sala, ou melhor, o grupo que freqüento fica na região Oeste e é chamado de Bonança, sou Psicólogo quando convocado, professor de Filosofia, tio de um adolescente chamado Arthur e, principalmente, amigo de vocês: Alcoólicos Anônimos.

Texto publicado na Revista Vivência, ed.131. Maio e Junho/2011.

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Ótima referência de filme sobre o tema: Vício Maldito.