5 de jun. de 2010

Filme: Waking Life (Despertando para a vida)

Filme: Waking Life (Despertando para a vida) - Richard Linklater

O Personagem Principal do filme irá aceitar uma carona. No carro – que é parecido com um barco – além do Motorista, existe outro passageiro (Carona).

CENA:

(Motorista) Alto lá, marujo! Está preparado para pegar o caminho mais longo? Precisa de uma carona?

(Personagem Principal) Estava esperando um táxi, mas...

(Motorista) Está bem. Não perca o barco.

(Personagem Principal) Obrigado.

(Motorista) Não há de que. Içar âncoras!
O que acha do meu barco?
Ele vale pela vista.
V.I.S.T.A.
Para se ver com os olhos.
Meu meio de transporte deve refletir a minha personalidade.
Voilà!

(Motorista - Apontando para o Pára-brisa) Esta é a minha janela para o mundo. A cada minuto um novo espetáculo. Posso não compreendê-lo ou concordar com ele... mas eu o aceito e acompanho a maré. Mantenha o equilíbrio. É o que eu digo. Siga com a corrente. O mar jamais rejeita um rio. A idéia é manter-se em um estado de partida, mesmo ao chegar. Economiza-se em apresentações e em despedidas. A viagem não requer explicações apenas passageiros.
É aí que entram vocês. É como se chegássemos ao planeta com uma caixa de lápis de cera. Pode-se ganhar a caixa de 8, ou a de 16... mas o segredo é o que você faz com eles e as cores que lhe foram dadas. Não se preocupe em colorir somente dentro das linhas. Pinte por fora das linhas e fora da página! Não queira me limitar! Nos movemos com o oceano.
Não estamos ancorados!

(Motorista) Onde vai querer descer?

(Personagem Principal) Quem, eu? Sou o primeiro? Não sei. Qualquer lugar está bom.

(Motorista) Apenas me dê um endereço, alguma coisa, está bem?

(Carona) Faça o seguinte. Suba mais três ruas. Vire à direita. Mais 2 quarteirões. Deixe-o na próxima esquina.

(Personagem Principal) Onde é isso?

(Motorista) Não sei, mas é algum lugar. E determinará o desenrolar do resto de sua vida.

Silêncio.

(Motorista) Hora de desembarcar!


[Fim da cena]

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A fala do Personagem Principal (Não sei. Qualquer lugar está bom.) me fez recordar e recortar alguns parágrafos do artigo que escrevi, chamado: Adolescência-para-si.

(...)

O homem apresenta-se como uma escolha a fazer. Antes de qualquer coisa ele é a sua existência no momento presente, e esta fora do determinismo natural; o homem não se define previamente a si próprio, mas em função de seu presente individual. Não há uma natureza humana que se lhe anteponha, mas é lhe dada uma existência especifica num dado momento. (SARTRE, 1997, p. 25)

Nas sessões realizadas com os adolescentes, que tinham idades compreendidas entre 13 e 16 anos, emergiram questões quanto ao uso de drogas lícitas e ilícitas, problemas escolares, atribulações na família e distúrbios relacionados à auto-imagem. Mas a incapacidade de refletir sobre as vivências e de verbalizá-las melhor pode ser constatado. A falta de perspectivas em relação ao futuro ficou comprovada em uma adolescente, usuária de cocaína, que, por duas vezes, compareceu aos atendimentos privada de uma noite de sono, e que, após ser questionada sobre o caminho a percorrer e seus projetos de vida, esta apenas respondeu: Estou indo!

Conforme Erthal (2004), na consciência irreflexiva, há consciência, mas não há conhecimento dessa percepção. Para que haja conhecimento, tem que haver reflexão. Assim, o indivíduo pode estar consciente, embora ainda não conheça de fato a sua experiência.

O vazio existencial é um fato marcante nos adolescentes atendidos e, sinalizar para os jovens a necessidade de buscar o seu processo individual de construção do seu Ser-para-si foi um dos objetivos nas práticas psicoterapêuticas.

O vazio existencial, que está ligado ao sentimento de falta de sentido da vida, cresce no mundo atual justamente na medida em que os jovens sentem-se distanciados de suas vivências mais espontâneas e são bombardeados com um número permanente de exigências. Sendo assim, deslocam as suas atuações de uma preocupação mais significativa para preocupações mais supérfluas, mais hedonistas.

Conforme Sartre (1997), a liberdade é essencialmente humana e só possui significado na ação, na capacidade do homem impor modificações no mundo real. Assim, por ser livre, o homem é conseqüentemente responsável por tudo o que escolhe e faz.

(...)

4 de jun. de 2010

Amizade

Em geral, a comunidade de duas ou mais pessoas ligadas por atitudes concordantes e por afetos positivos. Os antigos tiveram da A. um conceito muito mais amplo do que o admitido e usado hoje em dia, como se infere da análise que Aristóteles fez dela nos livros VIII e IX da Ética a Nicômaco. Segundo Aristóteles, a amizade é uma virtude ou está estreitamente unida à virtude: de qualquer forma, é o que há de mais necessário à vida, já que os bens que a vida oferece, como riqueza, poder etc, não podem ser conservados nem usados sem os amigos (VIII,1,1.155 a 1). A A. deve ser distinguida das duas coisas com as quais parece ter mais afinidade: amor e benevolência. Distingue-se do amor porque este é semelhante a uma afeição (v.); a A. a um hábito (v.). De tal modo que o amor também pode dirigir-se a coisas inanimadas, ao passo que corresponder ao amor, que é próprio da A. implica uma escolha que provém de um hábito (VIII,5,1.157 b 28).

Além disso, o amor é acompanhado por excitação e desejo, que são estranhos à A.; além disso, diferentemente da A., é provocado pelo prazer causado pela vista da beleza (IX,5,1.166 b 30). A A. distingue-se também da benevolência porque esta também pode dirigir-se a desconhecidos e permanecer oculta: o que não acontece com a A. (IX, 5,1.167 a 10). A A. é, certamente, uma espécie de concórdia, mas uma concórdia que não repousa na identidade de opiniões, mas, assim como a concórdia entre cidades, na harmonia das atitudes práticas, de sorte que, a justo título, chama-se de "A.civil" a concórdia política (IX, 6, 1.167 a 22) A A. é, certamente, uma comunidade no sentido de que o amigo se comporta em relação ao amigo como em relação a si mesmo (IX, 12, 1.171 b 32). Há tantas espécies de amizades quantas são as comunidades, isto é, as partes da sociedade civil: entre os navegantes, entre os soldados, entre os que fazem um trabalho qualquer em comum (VIII, 9, 1.159 b 25). Pode haver também A. entre senhor e escravo, se o escravo não for considerado apenas um instrumento animado, mas um homem. Só na tirania há pouca ou nenhuma amizade, pois nela não há nada em comum entre quem manda e quem obedece, e a A. é tão mais forte quanto mais coisas comuns houver entre iguais (VIII, 11, 1.161, b 5). Há também tantas A. quantas são as formas do amor: entre pai e filho, entre jovem e velho, entre marido e mulher. Esta última é a mais natural e nela se unem a utilidade e o prazer (VIII, 12, 1.161 b 11). Quanto ao fundamento da A., pode ser a utilidade recíproca, o prazer ou o bem, mas é claro que, enquanto a A. fundada na utilidade ou no prazer está destinada a acabar quando o prazer ou a utilidade cessarem , a A. fundada no bem é a mais estável e firme, portanto a verdadeira A.(VIII, 3, 1.156 a 6 ss.).

Essa análise de Aristóteles, a mais completa e bela que em filosofia já se fez sobre o fenômeno A., apóia-se nos seguintes pontos: 1º a A. é uma comunidade ou participação solidária de várias pessoas em atitudes, valores ou bens determinados; 2º está ligada ao amor, tem formas semelhantes, mas não se identifica com o amor. 3º aproxima-se mais da benevolência e, por isso, está vinculada aos afetos positivos, que implicam solicitude, cuidado, piedade, etc. Assim, segundo Aristóteles, a A. é mais ampla do que o amor, que é limitado e condicionado pelo prazer da beleza. E é diferente do amor pelo seu caráter ativo e seletivo, pelo que Aristóteles diz que o amor é uma afeição, isto é, uma modificação sofrida, ao passo que a A. é um hábito (assim como hábito é a virtude), isto é, uma disposição ativa e compromissiva da pessoa. Depois de Aristóteles, a A. foi exaltada pelos epicuristas, que nela basearam um dos fundamentos de sua ética e de sua conduta prática. Nessa escola, porém, assume caráter aristocrático; é uma das manifestações da vida do sábio, e não esta, como em Aristóteles, vinculada às relações humanas como tais. Nos testemunhos epicuristas que nos chegaram, reaparecem alguns reparos aristotélicos, como, p. ex., que "A A. nasce do útil, mas é um bem por si. Amigo não é quem procura sempre o útil, nem quem nunca o une à A., pois o primeiro considera a A. como um tráfico de vantagens, e o segundo destrói a esperança confiante de ajuda, que é parte importante da A." (Sent.Vat.,39-24, Bignone).

Com o predomínio do Cristianismo, a importância da A. como fenômeno humano primário declina na literatura filosófica. O conceito mais amplo e mais importante passa a ser o do amor, do amor ao próximo, que carece dos caracteres seletivos e específicos que Aristóteles atribuíra à amizade. De fato, "próximo" é aquele com que deparamos ou que está comumente em relação conosco, seja quem for, amigo ou inimigo. A máxima aristotélica da A., "comportar-se com o amigo como consigo mesmo", ver nele "um outro eu" (Et. nic, IX, 9, 1170 b 5; IX, 12, 1171 b 32), é estendida pelo Cristianismo a todo próximo.

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 37,38.

3 de jun. de 2010

Amar de verdade?

Ganhei de presente as palavras abaixo.
Indizível.

Eu acho mesmo que ninguém aprende a amar de verdade. Simplificando ao máximo, a gente vai se conhecendo aos poucos e, aos poucos, vai se burilando! E depois de "uma longa caminhada" a gente vai se aceitando, se amando cada dia mais e quando atingimos todo o amor que podemos carregar, todos os opostos se anulam.
Aí o outro já não é o outro. Ele já se integrou no profundo "Eu" de uma forma tal que ele e eu "nos tornamos um". Todas as dicotomias ficaram para trás. Aí então, tudo que vejo nele, nada mais é que a projeção do que há dentro de mim mesmo. E como em meu interior só teria amor, tudo que vejo e sinto no outro são as emanações desse mesmo amor.

Ele se torna, então, perfeito, completo, acabado. Ele (o amor) já perdeu aí a capacidade de perdoar pelo simples fato de que não há nada para ser perdoado. Tudo já foi redimido.
Os tropeços e erros só nos conduzem a novos tropeços e a novos erros; é na repetição dos acertos que firmamos a nossa trajetória para atingir esse "nirvana" que chamamos amor.
Vou então tentar, apenas, amar. Com todo o meu coração e com toda minha alma, encher minha "taça da alegria" e colher sem culpa os louros da minha sensibilidade, que é o que sou, e só.

Da mestra, filósofa e amiga.
Cristina A Silveira

Nunca te vi, sempre te amei.

Palavras colecionadas do filme - Nunca te vi, sempre te amei.

“A humanidade, como um todo, forma um grande livro. Quando um homem morre, um capítulo não é arrancado e sim traduzido para um idioma melhor. E cada capítulo deve assim ser traduzido. Deus emprega vários tradutores. Alguns trechos são traduzidos pela idade, outros, por doenças; alguns, pela guerra. Mas a mão de Deus reúne todas as folhas soltas e as coloca naquela biblioteca em que os livros se abrem uns para os outros”. (Donne)

Belíssimo filme.

2 de jun. de 2010

Razão e Fé. As razões necessárias.

Época em que a Razão e a andavam juntas. E houveram vários colaboradores com uma capacidade belíssima de reflexão e questionamento.
Confira.

Razão e Fé. As razões necessárias.
Santo Anselmo de Canterbury (1033/34 – 1109)

Se lermos suas palavras com atenção, poderemos notar que o tema das “razões necessárias” aparece sempre cuidadosamente matizado. Com efeito, dizia: “Se neste escrito adianto alguma coisa que não se encontre demonstrada por uma autoridade maior (Sagrada Escritura, Padres), desejo que se pense que, embora apresente a conclusão, por causa das razões que me parecem certas, como sendo necessária [quasi necessarium concludatur], esta não deverá ser considerada como absolutamente necessária [omnino necessarium], mas tão somente como podendo parecê-lo em sua relação com os princípios estabelecidos.*

A aplicação prática dessa cautela metodológica encontra sua máxima expressão nos capítulos 64 e 65 do Monologion, ao final da exposição sobre o mistério trinitário. Estas foram as suas palavras: “Eu penso que o pesquisador de uma coisa incompreensível se conforma se, por meio do pensamento, consegue conhecer certíssimamente que essa coisa existe, embora não possa entender por meio do intelecto como essa sua existência é.**
Já se vê, portanto, que as razões necessárias não pretendem explicar o mistério; são razões da existência do mistério. O mistério permanece inefável em si mesmo. Contudo, seriam as razões necessárias somente argumentos de conveniência?

Com tão sutil distinção entre a existência do mistério e o “como” da sua existência, Santo Anselmo pretendia escapar da armadilha racionalista, na qual caíam desde a Antiguidade cristã os movimentos gnósticos.

(...)

* Monologion, cap.1.
** Ibidem, cap.64.

SARANYANA, Josep-Ignasi. A Filosofia Medieval: Das origens patrísticas à escolástica barroca. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência "Raimundo Lúlio" (Ramon Llull), 2006, pag. 159,160.

1 de jun. de 2010

A alma imoral

"Aqueles que se permitem transgressões da alma com certeza são vistos e recebidos pelos outros como estrangeiros. Os que mudam de emprego radicalmente, os que refazem relações amorosas, os que abandonam vícios, os que perdem medos, o que se libertam e os que rompem experimentam a solidão que só pode ser quebrada por outro que conheça essas experiências. A natureza da experiência pode ser totalmente distinta, mas eles se tornarão parceiros enquanto 'forasteiros'."

Extraído do livro "A alma imoral", de Nilton Bonder.

31 de mai. de 2010

Vontade, concupiscência, hábito e necessidade.

A doutrina de Santo Agostinho de Hipona (354-430 d.C.) não se distancia da experiência da sua vida; por isso, narra com traços muito fortes e vivos o drama do mal, a propósito das lembranças da sua adolescência: "Eu quis furtar e furtei; não levado pela necessidade ou pela penúria, mas por escassez de justiça e abundância de iniquidade. Roubei coisas que eu tinha, e ainda melhores; não queria desfrutar do que roubava, mas desfrutar com o próprio furto e pecado... Uma vez obtidas as pêras, joguei-as fora: o único banquete foi a iniqüidade. Se algo daquilo entrou em minha boca, seu condimento era a maldade".* Esse mal acaba acorrentando: "O inimigo apoderara-se do meu querer; convertera-o em cadeias que me prendiam. Da vontade perversa, surge a concupiscência; servindo à concupiscência, surge o hábito; e não resistindo ao hábito, nasce a necessidade. Esses elos soldados entre si - por isso os chamo cadeia - tinham me constrangido a uma dura servidão". (Saranyana, p.86)

SARANYANA, Josep-Ignasi. A Filosofia Medieval: Das origens patrísticas à escolástica barroca. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência "Raimundo Lúlio" (Ramon Llull), 2006.

* Confissões, II,6,12.

Dicionário HOUAISS - Sinônimos e antônimos.

  • Concupiscência. s.f. 1 cobiça: ambição, ganância. 2 lascívia: carnalidade, carne, erotismo, luxúria.
  • Iniqüidade. s.f. 1 injustiça. 2 perversidade: crueldade, maldade, malevolência.