15 de jan. de 2012

Cegueira

Cegueira
by André Felipe Souza Cecílio

Um cego um dia
me ensinou a enxergar sem os olhos.
Porque os olhos nos dão um mundo pronto,
cuja luz é captada e interpretada
como mundo real.
E a luz é o supérfluo das coisas.

As mãos, a boca,
o nariz, os ouvidos
e até mesmo a intuição
nos dão um mundo mais repleto
e mais completo
do que apenas os olhos,
pois não nos dão mundo nenhum,
e, sim, potenciais de mundos plurais
a serem desenvolvidos .
E esse potencial deve ser trabalhado,
imaginado, interpretado,
como uma grande ideia
para que o mundo, plural,
seja enfim criado.

Essencialmente, o homem é cego.
Porém a lucidez da cegueira
é limitada a momentos curtos
como a infância ou os sonhos à noite.
Isso, quando ainda se sonha.
Ensinam os homens às crianças
que se deve enxergar bem os mundos.
Contudo, ensinam-nas a abrirem sempre os olhos.
Erro crasso.

Além da luz, a realidade
é bem mais ampla do que aquela
que reside na superficialidade material das coisas.
Entretanto é sutil, imperceptível
a olho nu. Para vê-la,
é preciso aprender a fechar bem os olhos.

A cegueira é uma virtude.
Maior, talvez, do que todas
as virtudes dos homens que enxergam com os olhos nus.
Pois o cego não é o aquele que não sabe enxergar,
mas, sim, aquele que  aprendeu a fazê-lo
diferente dos outros homens:
De maneira ativa.

* André Felipe Souza Cecílio é cronista, contista e poeta, músico, compositor
e autor do livro de poesias Conversa Com Versos, lançado em 2010.