15 de dez. de 2010

Fragmentos literários: O Mito de Sísifo

A Liberdade Absurda.

(...)

O que sei, o que é certo, o que não posso negar, o que não posso recusar, eis o que interessa. Posso negar tudo desta parte de mim que vive de nostalgias incertas, menos esse desejo de unidade, esse apetite de resolver, essa exigência de clareza e de coesão. Posso refutar tudo neste mundo que me rodeia, que me fere e me transporta, salvo o caos, o acaso-rei e a divina equivalência que nasce da anarquia. Não sei se este mundo tem um sentido que o ultrapassa. Mas sei que não conheço esse sentido e que por ora me é impossível conhecê-lo. O que significa para mim significação fora da minha condição? Eu só posso compreender em termos humanos. O que eu toco, o que me resiste, eis o que compreendo. E estas duas certezas, meu apetite pelo absoluto e pela unidade e a irredutibilidade deste mundo a um principio racional e razoável, sei também que não posso conciliá-las. Que outra verdade poderia reconhecer sem mentir, sem apresentar uma esperança que não tenho e que não significa nada nos limites da minha condição?
Se eu fosse uma árvore entre as árvores, gato entre os animais, a vida teria um sentido ou, antes, o problema não teria sentido porque eu faria parte desse mundo. Eu seria esse mundo ao qual me oponho agora com toda a minha consciência e com toda a minha exigência de familiaridade. Esta razão, tão irrisória, é a que me opõe a toda a criação. Não posso negá-la de uma penada. Por isso devo sustentar o que considero certo. (CAMUS, 2005, p.64,65)

CAMUS, Albert; tradução de Ari Roitman e Paulina Watch. O Mito de Sísifo. 2.ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.


[ Fragmentos comentados ]

- "Eu só posso compreender em termos humanos”.
É o que Nietzsche chamaria de Humano Demasiado Humano.

- "Se eu fosse uma árvore entre as árvores"...
Dizeres que me remetem à Náusea, de Sartre.


Ler Camus me faz bem!

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