27 de nov. de 2009

A correspondência

Tema: A correspondência.

Nossas cartas se parecem conosco, desde que o queiramos um pouco, e mesmo, às vezes, quando não o queremos. Frágeis como nós. Irrisórias como nós. Belas, por vezes. Pobres e preciosas, corriqueiras e singulares, quase sempre. Um pouco de nossa alma introduziu-se ali, na pouca espessura de um envelope. Um pouco de nossa vida, na loucura do mundo. Um pouco de nosso amor, no deserto das cidades.

Por que se escreve uma carta? Para habitar juntos a essencial solidão, a essencial separação, a essencial e comum fragilidade. Para descrever o tempo que está fazendo, o tempo que está passando. Para contar o que nos tornamos, o que somos, o que esperamos. Para exprimir a distância, sem a suprimir. O silêncio, sem o corromper. O eu, sem se fechar nele. Isso não substitui a fala. Isso não substitui nada. E nada, tampouco, o substitui: as verdadeiras cartas, aquelas que gostamos de receber, são gratuitas e insubstituíveis, como a vida, como o amor, como um presente, e são um presente. “Não é nada, sou eu”, escreve-me um amigo, “venho dizer-te que te amo muito, muito...” Não é nada, ou quase nada, e contudo um pedaço do mundo e da alma, transmitido como que por milagre, tão leve na mão, tão profundo no coração, tão próximo na grande distância.

Extraído do livro de André Comte-Sponville, Bom Dia, Angústia!

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