10 de mai. de 2010

A escrita

(...) Há uma eternidade na escrita, em toda escrita, da qual a fala antes nos separaria. Não é a eternidade das estelas ou das tumbas. É a eternidade de viver, mas sem véus, mas preservada, como uma garrafa lançada no oceano do tempo, como um pedaço do presente no infinito do futuro. As cartas de amor durarão mais tempo, muito amiúde, do que o amor. Elas sobreviverão a ele. Estarão ainda aqui, se se quiser, quando o amor estiver morto: atestarão o que tiver acontecido, o que eternamente continuará verdadeiro, mas que talvez, sem a escrita, teríamos esquecido ou perdido. Toda fala é contemporânea de quem a escuta, e morre com ele. Nenhuma escrita o é de sua leitura, sendo por isso que não morre. Entre o tempo da escrita e o da leitura, há como que uma distância assumida e abolida. Toda fala é do instante; toda escrita, da duração.

Extraído do livro de André Comte-Sponville, Bom Dia, Angústia! Pág.39


Um comentário:

Unknown disse...

Cleiton,
Se me permite a observação, na frase "Não é a eternidade das estrelas ou das tumbas", há um equívoco durante a reprodução da mesma, em lugar de "estrelas" Comte-Sponville escreveu "estelas", que no contexto, refere-se à pedra ou coluna destinadas a ter inscrições.
É fácil de confundir, a primeira vez também li 'estrelas' e como nunca tinha lido 'estelas' fui buscar o significado.

Esse capítulo do livro 'A Correspondência' é lindo né? Nostálgico, poético, belo.

Um abraço,
Ana Rúbia