9 de jun. de 2010

Aqui. Agora. Este momento.

Aqui. Agora. Este momento.
Cleiton Rezende


RESUMO

A metamorfose é o titulo do livro do escritor Franz Kafka. A obra aborda a transformação ocorrida na vida do caixeiro viajante Gregor Samsa que, após uma noite de sono, mal dormida, acorda com o seu corpo modificado, tornando-se um inseto ortóptero da família dos blatídeos, uma barata. Alienado ao trabalho, Samsa irá viver a partir de então, os novos desafios oriundos de sua nova condição. O objetivo aqui é articular os fatos que nos são relevantes na história de Samsa com o livro de Monique Augras, O Ser da Compreensão; o Ser e o Nada de Jean-Paul Sartre, entre outros.

INTRODUÇÃO

Gregor Samsa é um trabalhador exemplar que tem como principal e “único” projeto existencial, angariar fundos para sustentar os pais e sua irmã, Grete. Mas, conforme o seu próprio relato, as situações vividas para se alcançar o seu objetivo, são muito penosas: viagens constantes, alimentação irregular e relações humanas não duradouras são as suas principais queixas.

Conforme Augras (2004, p.25), a fala do cliente nos apresenta a sua realidade, e como tal, será investigada: a sua história (o tempo), o seu corpo (o espaço), a sua estranheza (o outro), o seu fazer-se (a obra).

Samsa é um homem solteiro e que, de acordo com a narrativa de sua mãe, não sai de casa nas horas vagas, ficando, apenas, realizando pequenos trabalhos na carpintaria como forma de distração. Ainda segundo a Srª. Samsa, nos momentos em família, quando Gregor não está estudando novas rotas e itinerários para suas viagens ele permanece calado.

Houaiss (2004, p.399) conceitua o individuo que se negligencia ou não dá a si próprio à devida atenção ou os cuidados necessários, como sendo um individuo “entrega às baratas”.

Em relação ao trabalho, os trabalhadores não controlando os meios de produção, e, portanto, tendo que negociar sua força de trabalho com um seleto grupo que monopoliza esses meios, alienam-se.

Conforme Abbagnano (2003, p.23),
a propriedade privada produz a alienação do operário tanto porque cinde a relação deste com o produto do seu trabalho (que pertence ao capitalista), quanto porque o trabalho permanece exterior ao operário, não pertence à sua personalidade, “logo, no seu trabalho, ele não se afirma, mas se nega, não se sente satisfeito, mais infeliz... E somente fora do trabalho sente-se junto de si mesmo, e sente-se fora de si no trabalho”. Na sociedade capitalista, o trabalho não é voluntário, mas obrigatório, pois não é satisfação de uma necessidade, mas só um meio de satisfazer outras necessidades.

Embora nos primeiros momentos após despertar, já como uma barata (inúmeras patas, carapaça e uma voz que emitia um som parecido com um assobio), Samsa, ainda não se dera conta de sua nova condição. Achando que seria uma possível fantasia sua, ainda, na cama, ele permaneceu. A princípio, as suas únicas preocupações não passaram, apenas, de pensamentos e atitudes práticas relacionadas com a sua metamorfose. Somente após averiguar as horas e sua mãe vir lhe chamar para levantar é que ele começou a tentar fazer os primeiros movimentos.

Kakfa (2007, p.23),
primeiro tentou tirar do leito a parte inferior do corpo. Entretanto, essa parte inferior – que por certo não tinha visto ainda e que portanto lhe era impossível representar em sua exata conformação – mostrou-se a mais difícil de mover. A operação iniciou-se lentamente. Gregor, frenético já, concentrou toda a sua energia e, sem amparar-se nas barras, arrastou-se para diante. Mas calculou mal a direção, bateu com um golpe tremendo contra os pés da cama e a dor que isso lhe produziu demonstrou-lhe com sua agudez, que aquela parte inferior de seu corpo era talvez, em sua nova condição, exatamente a mais sensível.

Na vida, o indivíduo após tomar consciência de uma nova realidade que lhe é imposta, começa a procurar respostas para a falta de sentido diante de sua existência. A princípio, não encontra nenhuma explicação racional que possa ajudá-lo a se posicionar diante do fato concreto de sua mudança e suas conseqüências, no caso da obra de Kafka, a mutação ocorrida no corpo biológico de Gregor.

Aí se encontra, para o existencialismo sartreano o mistério da existência, a impotência do indivíduo diante do que lhe é posto pela realidade concreta. É a “facticidade” da existência. Ou seja, é o homem lançado entre as coisas e situações que lhe foram impostas e não escolhidas por ele. E, a constatação de que sua própria vida não está em seu controle. Ela é uma gratuidade, porque nós existimos e, neste existir, passamos por problemas, sem razão que justifique este nosso existir.

Augras (2004, p.20) nos diz que o conflito não deve ser entendido aqui como algo ruim, indesejável e, portanto, inútil e nocivo. Expressa, antes, a luta necessária entre tendências contrárias que, sucessivamente opostas e sintetizadas, compõem o próprio processo da vida.

Kafka (2007, p.52),
as noites e os dias de Gregor deslizavam sem que o sono tivesse parte neles. Às vezes costumava pensar que ia abrir-se a porta de seu quarto e que ele ia encarregar-se de novo como antes dos assuntos da família. Por sua mente tornaram a cruzar depois de longo tempo o chefe e o gerente, o empregado e o aprendiz, aquele criado tão empertigado, dois ou três amigos que tinha em outros estabelecimentos, uma camareira de uma hospedaria de província e uma lembrança amada e passageira: a de uma caixeira de uma casa de chapéus a quem formalmente pretendera mas sem muito empenho...

A partir da metamorfose ocorrida com Gregor, que, até então, era o que sustentava a família, uma outra mudança ocorre na história. Desprovidos financeiramente, os Sansa são obrigados a se desfazerem de parte do mobiliário, de diversas alfaias e da criada, para conseguirem assumir as responsabilidades quanto à manutenção da casa e outros insumos. Eles decidem, também, alugar parte dos cômodos; o pai consegue um emprego, a mãe passa a costurar e a irmã a fazer pequenos serviços, além, de voltar a estudar.

Kafka (2007, p.52),
a mãe, inclinada muito para perto da luz, costurava roupa branca fina para uma loja, e a irmã, que se tinha colocado num emprego, estudava as noites estenografia e francês, a fim de conseguir talvez com o tempo um posto melhor do que o atual.

É de se destacar que toda a família, exceto Gregor, compreende a situação em que estavam passando e, conseguem reverter o quadro para poderem sobreviver, frente à metamorfose do filho. Foi diante do “absurdo” e apesar dele, que os Samsa conseguiram se mobilizar e se transformarem em personagens principais e, não apenas, meros coadjuvantes de suas vidas.

A obra chegou ao seu fim como o fim chegou para Gregor. E, como a sua morte não foi muito diferente de sua vida, ela, ao menos, mostrou ao leitor que se pode e deve fazer escolhas como a família Samsa as fez: mudaram os pensamentos, alteraram as atitudes e começaram uma nova vida almejando uma nova casa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos afirmar que para Sartre (1997), o homem nasce como um “nada”, ele é um Ser-em-si e busca, ao longo de toda sua existência, fundamental e principalmente nas situações-limite construir-se como Ser-para-si.

O homem apresenta-se como uma escolha a fazer. Antes de qualquer coisa ele é a sua existência no momento presente, e está fora do determinismo natural; o homem não se define previamente a si próprio, mas em função de seu presente individual. Não há uma natureza humana que se lhe anteponha, mas é lhe dada uma existência especifica num dado momento. (SARTRE, 1970, p. 25)

Sartre (1997) afirma que o tempo real é imediato, já que é negado no concreto para ser reconstruído psiquicamente. Ou seja, ele afirma que nem o tempo real nem o espaço real oferecem ao homem nenhum sentido. Este sentido é constituído na consciência do sujeito para exercer sua liberdade.

Houve momentos na obra de Kafka que verificamos com clareza verbalizada ou não por Gregor Samsa, que ele ao se deparar consigo mesmo encontra o vazio, o absurdo, a falta de sentido. Tudo isso é externalizado por atitudes que, sem dúvida de interpretação, demonstram tristeza, depressão, solidão e desamparo.

Entendemos que através da teoria sartreana, que Gregor Samsa no contato consigo mesmo num momento de fragilidade corporal e psíquica temia enxergar o que estava dentro de si mesmo.

Apesar disso, Sartre enfatiza que é dentro de cada um que se encontra a referência necessária para as escolhas e atitudes diante da vida. E mais: cada um deve responder antes de agir a três perguntas:
Onde estou? Aqui.
Que horas são? Agora.
O que eu sou? Este momento.

BIBLIOGRAFIA

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

AUGRAS, Monique. O Ser da Compreensão. 3. ed. Petrópolis : Vozes, 1993.

KAFKA, Franz. A Metamorfose. São Paulo: Martin Claret, 2007.

SARTE, Jean-Paul. O Ser e o Nada: ensaio de ontologia fenomenológica. 4 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1997.

Um comentário:

Anônimo disse...

O primeiro parágrafo da Introdução, onde trás o nome, Gregor Samsa, lembrou-me um outro "Samsa".
Assista SAMSARA.

Beijos,
Eu.