10 de jun. de 2010

Morte: Um pensamento não suficiente

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"A vida", escrevia ele, "é um movimento material e corporal, ação imperfeita de sua própria essência, e desregrada; empenho-me em vivê-la de acordo com ela". Ainda assim é preciso morrer, e a própria doçura do prazer é como que realçada pelo amargor ou pela raridade. Fragilidade de viver. Fugacidade de viver. É a vida mesma, e o sabor da vida. "O duro desejo de durar..." Sempre satisfeito, uma vez que se vive, sempre frustrado, uma vez que se morre. Qual felicidade que não esteja ameaçada? Qual amor que não esteja assustado? Montaigne ainda: "Que coisa terna é a vida, e fácil de perturbar..." Mas quem por isso renunciaria à felicidade, ao amor, à vida? É, antes, o inverso que é verdade, como Gide, bom leitor de Montaigne, no-lo lembra: "Um pensamento não suficientemente constante da morte não confere valor suficiente ao menor instante de tua vida". Esta frase, em sua inabilidade proposital ou fingida, em sua simplicidade, em sua verdade, talvez tenha sido a primeira que eu tenha admirado de forma absoluta. (SPONVILLE, p.53)

SPONVILLE-COMTE, André. Bom Dia, Angústia! São Paulo: Martins Fontes, 2005.

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