18 de jun. de 2010

José Saramago - 1922 / 2010

É mestre, os "ensaios" acabaram.
Obrigado!

(...)

Ele adormeceu, ela não. Então ela, a morte, levantou-se, abriu a bolsa que tinha deixado na sala e retirou a carta de cor violeta. Olhou em redor como se estivesse à procura de um lugar onde a pudesse deixar, sobre o piano, metida entre as cordas do violoncelo, ou então no próprio quarto, debaixo da almofada em que a cabeça do homem descansava. Não o fez. Saiu para a cozinha, acendeu um fósforo, um fósforo humilde, ela que poderia desfazer o papel com o olhar, reduzi-lo a uma impalpável poeira, ela que poderia pegar-lhe fogo só com o contacto dos dedos, e era um simples fósforo, o fósforo comum, o fósforo de todos os dias, que fazia arder a carta da morte, essa que só a morte podia destruir. Não ficaram cinzas. A morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem e, sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia, sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras. No dia seguinte ninguém morreu. (As intermitências da Morte, p.207)

José Saramago - 1922 - 2010...

Um comentário:

Elisa MuTTante. disse...

Não sei o que será das próximas gerações, sem os GRANDES, sem os MESTRES. Se há algum consolo, ficam os livros, as idéias, os pensamentos registrados e eles confabulam, dialogam, mesmo em monólogos.