14 de jun. de 2010

Liberdade e Necessidade

Liberdade e Necessidade
Ortega y Gasset

Não escolho nem minha circunstância nem minha vocação. Minha vida se debate entre duas fatalidades. E, no entanto, nada nela é determinado mecanicamente, como nos seres naturais, que já nascem rigidamente programados. Minha vida me é dada, mas não me é dada feita. E como minha vida não está feita, tenho eu que fazê-la livremente, decidindo, minuto a minuto, o que vou fazer. Não tenho liberdade para renunciar a ela.
O homem, diz Ortega, é forçosamente livre*. Pergunta-se: Como assim, se não escolho minha circunstância nem minha vocação?
A "forçosidade" da circunstância e da vocação não suprime a liberdade; muito pelo contrário, provoca a liberdade, sem a qual não poderíamos assumi-las. Já vimos que a circunstância - que não escolhemos - é sempre multilateral, apontando para várias e divergentes possibilidades, entre as quais somos livres para escolher. A opção acertada recai sobre a possibilidade que melhor se harmonize com nosso projeto; mas ele também tem que ser assumido e, no ato de assumi-lo, desta ou daquela forma, nesta ou naquela modulação, revela-se minha liberdade.
Nos torneios de poesia impõem-se aos candidatos um pé forçado e um mote forçoso, isto é, uma idéia para ser livremente glosada. Cada poeta é livre para preencher como quiser e como puder a glosa possível, e cada qual apresenta um resultado diferente do outro. A circunstância é nosso pé forçado, e a vocação, nosso mote forçoso, mas entre essas duas "forçosidades" sou livre para interpretá-las e assumi-las como quiser. Nossa liberdade é exercida dentro da fatalidade, mas nem por isso é menos livre.
Ortega lembra o pensamento definitivo de Nietzsche: "O artista é o homem que dança encadeado". Dançamos encadeados à circunstância e à vocação, mas inventamos livremente cada passo de nossa dança. (KUJAWSKI, p.53,54)

* No curso público dado em Madri, em 1929, "Que é filosofia?", Ortega diz textualmente que viver é "sentir-me forçado a decidir o que vou ser". Muito depois, em 1943, Sartre escreveria em O ser e o nada: "eu estou condenado a ser livre".

KUJAWSKI, Gilberto de Mello. Ortega y Gasset: a aventura da razão. São Paulo: Moderna, 1994.

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