14 de jun. de 2010

A vida humana é Quefazer

A vida humana é Quefazer
Ortega y Gasset

Minha vida é a realidade radical. A realidade não é "coisa" e sim o que eu faço com as coisas e o que as coisas fazem comigo. Esse "fazer" na forma ativa e passiva é o que Ortega chama de executividade, a vida na execução de seu ato. Em primeira descrição, pois, minha vida é o que eu faço e o que me acontece.
E o que me acontece - aqui e agora - é estar às voltas com uma circunstância com a qual tenho que fazer algo para viver. Pois a vida me é dada, mas não me é dada feita. Vida é quefazer*.
A pedra, a planta, o animal recebem seu ser já inteiramente fixado ou programado pela natureza . Com a vida humana é diferente. Tenho que fazê-la eu mesmo, passo a passo, momento a momento. Por isso, tenho que saber, previamente, quem vou ser.

Entra aqui a dimensão do projeto. Tenho que imaginar meu projeto vital em vista das circunstâncias. Claro, se vivo em determinado nível histórico, não posso programar um desenho de vida arbitrária, inserida em outro horizonte. Não posso ser "cavaleiro medieval", nem "cortesão de Versalhes", nem mesmo "revolucionário romântico", como no século XIX. Tenho que imaginar meu projeto no contexto do tempo e da sociedade em que vivo e em vista de minhas circunstâncias pessoais. A vida, diz Ortega, é faina poética porque o homem tem que inventar o que vai ser. Todos nós, acrescenta, somos novelistas de nós mesmos, originais ou plagiários.

A circunstância nos é imposta; eu vivo aqui e agora, sem ter escolhido nem o meu tempo, nem o meu país. Mesmo assim, ela é sempre multilateral. Desde que eu projeto minha pretensão sobre a circunstância, ela se abre num leque de possibilidades distintas, sugerindo múltiplos caminhos. Ortega cita um belo e antiqüíssimo provérbio indiano: "Onde quer que o homem pouse a planta do pé, pisa sempre mil caminhos". Cumpre decidir-me por uma dessas várias possibilidades, e só posso decidir o que vou fazer depois de saber quem vou ser. Por isso, todo homem se constitui em projeto, por mais tosco e primário que seja. (KUJAWSKI, p.52,53)

* O original espanhol é quehacer, que tem duas traduções possíveis: "quefazer" e "afazer". A primeira é preferível devido à nota imperativa (que). Quehacer não é um fazer qualquer, optativo, e sim o que eu tenho que fazer.

KUJAWSKI, Gilberto de Mello. Ortega y Gasset: a aventura da razão. São Paulo: Moderna, 1994.

Um comentário:

Anônimo disse...

Li inúmeras vezes, ajudou.

:*