8 de jul. de 2010

Sartre: O Nada

O Nada

Chegamos agora ao ponto principal: como entender a fissura interna (a distância a si) da consciência? Afinal, não há qualquer "separação" no espaço e no tempo entre a consciência e si mesma. Ou seja, a separação íntima que existe no miolo da consciência não é "distância física". E a consciência também não sofre solução de continuidade temporal, ainda que o curso do pensamento se rompa a todo instante e mude de um estado para outro. Então, resta uma hipótese: nada separa a consciência de si mesma, nada separa um estado de consciência do estado seguinte. Ser consciente de alguma coisa é colocar-se "à distância" da coisa de uma maneira especial: uma distância feita de nada.

Logo, o que caracteriza a consciência é esse Nada que a distancia do Ser. A lei suprema do Para-si é estar separado de si e do mundo por um Nada. Convém, no entanto, sublinhar que esse Nada não pode ser compreendido como algo que é, tal qual o Ser: o Nada não é, não existe positivamente. Contaminado pelo Nada, o Para-si apresenta-se, ao contrário do Em-si, como plena negatividade. O Para-si é o Nada que invade o Ser e provoca a abertura no seu miolo. "O homem é o ser pelo qual o nada vem ao mundo".

No entanto, o Ser é uma categoria geral que abrange todos os existentes, inclusive a consciência, e estar fora da existência é simplesmente não existir de maneira alguma. Desse modo, como devemos entender que haja dois modos distintos do Ser, o Em-si e o Para-si? Que espécie de relação pode haver entre eles? Existem de fato dois modos distintos do Ser e não uma identidade absoluta entre eles: não se pode reunir as noções de Em-si e Para-si em um gênero comum. Há, na verdade, um conjunto desintegrado. Entre o Em-si e o Para-si ocorre, sim, uma reunião, um trânsito de um a outro - mas é um trânsito que jamais se opera completamente. Sartre fala em "curto-circuito". O Em-si e o Para-si estão unidos em uma conexão que é feita pelo Para-si, já que este é por natureza uma "relação com o Em-si".

Mas devemos abandonar a idéia de que o Para-Si constitua uma substância própria, autônoma do Em-Si, embora haja esse hiato a cindir o Ser. A única realidade que o Para-Si possui é a de ser uma nadificação do Ser. Sem o Em-Si, o Para-si seria uma abstração, assim como não pode existir cor sem forma, ou som sem intensidade e timbre, ou sombra que não seja "sombra de alguma coisa". Se o Em-Si, em sua plenitude, é bastante e desnecessita do Para-Si, este, ao contrário, está tão indissoluvelmente ligado ao Ser positivo quanto o verso ao reverso de uma moeda. Isso parece claro quando atentamos para o fato de que o Nada segregado pelo Para-si só pode ser concebido como "Nada de alguma coisa positiva" ou "Nada de Ser". Em outras palavras: o Nada só pode surgir em relação ao Ser, implícito no Ser e fundamentado em algo concreto, pressupondo o Ser para negá-lo. Inevitavelmente ele aparece "sobre um fundo de Ser" e em ligação com o Ser, dentro dos limites do Ser e jamais fora deles. Todo Nada é Nada de alguma coisa concreta. Por isso, Sartre diz que o Para-Si é como "um buraco" no Em-Si.

Cont...

BIBLIOGRAFIA


PERDIGÃO, Paulo. Existência & Liberdade. Uma Introdução à Filosofia de Sartre. Porto Alegre: L&PM. 1995, p.39, 40 e 41.

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