27 de jun. de 2010

Amor e Necessidade

O amor não é apenas uma troca de necessidades. Esta é a sua forma ilusória. Ele é um sentimento aquém e além da necessidade de senti-lo.
Uma espécie de acordo secreto e inconsciente faz parecer amor o que é momentâneamente ou duradoura troca de necessidades. As carências são tantas e tão grandes, que o atendimento a elas ou a possibilidade de advir proteção ou aceitação, surgem disfarçados de amor, vestidos com sentimentos componentes do repertório do amor. Mas amor não é. É troca de necessidades.

A água de uma fonte existe a despeito da sede de quem vai bebê-la ou, sôfrego, a ela se atira. A água existe; é; flui. É dádiva e entrega. Sempre. Já a sede é uma necessidade, que valoriza a água, é certo, porém, água não é, pois não a cria. A água existe a despeito da sede.
Assim, o amor. Quando existe, é aquém e além da sede (necessidade) de quem o procura. Existe porque brota e vive, inexplicável, mas puro e fluido como a fonte. Ele flui. Ele independe da necessidade alheia. Amor não está. Amor é. Quem está amando não ama. Ama quem é amando.
Por motivos culturais, psicológicos, autodefensivos, porém, o habitual é, primeiro, vislumbrar inconscientemente quem poderá atender às necessidades. É tão poderosa essa força (a de atender às necessidades), que quase sempre vem impregnada de afeto, o mesmo que é componente do amor, e, por isso, com ele se confunde. A necessidade também bebe na fonte do amor. Porém não é fonte, logo amor não é.

Isso de necessidade é tão complexo, que pode ser, até, necessidade de sentir ou receber amor, o que é uma preliminar do amor, porém amor não é. A necessidade de sentir amor e de sentir-se amado por vezes confunde-se com o amor e em seu nome é exercida.
Passada a necessidade, ou alteradas as causas que a geraram, emerge o que cada um é e o que e como sente. Descobre-se então - quase sempre com dor - que o sentimento unificador foi fome, sede, atração, cansaço, medo, gratidão, esperança, ambição, amizade, solução de problemas, espírito de aventura, travessura, ânsia de sair de casa, variáveis importantes, necessidades verdadeiras gritantes e válidas, porém, não, AMOR. Amor é o que, mitigado, não desaparece, aumenta.
O difícil de observar durante a vigência aguda do enigma amoroso é que nossas principais necessidades não aparecem como tal e sim como se fossem características nossas.

Nossas características pessoais e temperamentais são uma espécie de sintoma de necessidades. Supomos ser o próprio temperamento e que nossas características nos definem ou nos constituem, essencialmente. Não! Elas são sintomas das nossas necessidades. Compreendê-lo é evitar o risco de se relacionar apenas em função das necessidades e jamais em função da plenitude de um sentir ativo, generoso, doador, misterioso.
Durante a vigência de um sentimento, saber se é amor ou clamor de alguma necessidade é outro enigma de difícil elucidação.
A diferença, porém, é sutil, mas perceptível : não se sabe quando é necessidade, porém quando é amor sabe-se sempre. O amor pré-existe, post-existe, sub-existe e sobre-existe a todas as provas que com ele fazemos. Resiste até à nossa incapacidade de alimentá-lo com carinho e atenção, seus alimentos. Já a necessidade é menos doadora. Uma vez satisfeita, acaba. Se insatisfeita, reclama e esperneia, porém, logo desiste. Oriundo da necessidade, o sentimento só permanece com esperanças de satisfação.
Insatisfeito, ele acaba por se cansar e cessa. Só as raras pessoas maduras sabem fazer conviver amor e necessidade, não como entidades à parte e antagônicas, mas como importantes paralelas do enigma do querer. Inclusa no sentir, a necessidade não é amor. Dela, porém, em alguns planos, ele se nutre e beneficia, podendo se deteriorar, conforme a dose.

TÁVOLA, Arthur da. Do Amor, ensaio de enigma. 6.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983. p. 57,58,59.

* Comprei essa beleza de obra em um sebo.

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